Entre acusar Paul Karl Feyerabend (1924-1994) de “o pior inimigo da ciência” (como fizeram T. Theocharis e M. Psimopoulos, Nature, v. 329, n. 6140, p,595-598, 1987) ou de “mau popperiano” (como fez John Watkins), eu opto pela segunda alternativa.
Exageros à parte, Theocharis e Psimopoulos, acadêmicos do Imperial College of Science and Technology, de Londres, escreveram o aludido artigo como forma de chamamento à reação dos cientistas contra os cortes de verbas para financiamento da pesquisa científica no Reino Unido nos anos 1980. Alegaram que a comunidade cientifica tinha a sua parcela de culpa por não defender a atividade das criticas que injustamente recebia; inclusive de alguns cientistas. Paul Feyerabend e suas controvertidas teses, defendidas no livro Contra o método, publicado em 1975, não passou de um bode expiatório nessa discussão. Feyrabend, evidentemente, não teve nada a ver com a politica econômica, que enfatizou a desregulamentação estatal, posta em prática pela “Dama de Ferro”, Margareth Thatcher, no Reino Unido, entre 1979 e 1990. E John Watkins, que fazia parte do grupo de filósofos britânicos cuja palavra POPPER era (e ainda continua sendo para muitos) considerada sagrada, defendia que um bom popperiano tinha que citar Popper em cada pagina e em cada nota de rodapé de tudo que tivesse escrito.
Diga-se, a favor de Feyerabend, que as suas criticas não foram especificamente dirigidas aos cientistas e sim aos filósofos da ciência que pregavam uma epistemologia que mascarava a complexidade e a riqueza das praticas cientificas, tendo virado clássica a sua assertiva de “mais cientistas filósofos e muito menos filosofia da ciência”. Mas, sem dúvida, por ser um provocador e visto como anarquista epistemológico (ou terrorista epistemológico, como foi também rotulado), Feyerabend não foi bem recebido pela comunidade cientifica ao defender, especificamente em Contra o método, o principio do “anything goes” (expressão tomada de empréstimo da famosa canção “osée”, de Cole Porter), que nas traduções brasileiras ficou consagrada como “vale tudo” (e em Portugal como “qualquer coisa serve”), e o controle social da ciência. Em síntese, por ele, alegam os seus críticos, qualquer proposição seria cientifica (inclusive feitiçaria) e a atividade dos cientistas seria realizada sob a tutela da sociedade (entenda-se controlada por leigos). O que Feyerabend atacou, de fato, foram os padrões ingênuos de excelência científica (evidentemente presumida) que defendiam os racionalistas.
Apesar de muitos identificarem um resíduo popperiano na obra de Feyerabend, ele se afastou das ideias de Popper que o haviam fascinado na juventude, a partir dos anos 1960, e, rompeu de vez com o mestre, em 1970. Mas, em certo sentido, sim, Feyerabend pode ser considerado um mau popperiano, especialmente por ter recebido o apoio de Karl Popper no inicio da sua carreira e, apesar disso, ter engrossado o anedotário e as críticas sobre Sir Karl.
Paul Feyerabend conheceu Karl Popper, em 1948 quando estudante de Física, em um seminário de verão em Alpbach (uma pequena aldeia no Tirol), cujos encontros viram exemplos de intercâmbio intelectual, artístico, econômico e políticos. No seu livro de memórias, Feyerabend relata passagem onde Popper passeava em torno da Igreja da aldeia com uma atraente física e lhe perguntava “O que devo fazer?”, quando a Sra. Popper estava prestes a aparecer. Também, em 1951, depois de obter o titulo de Ph.D., recebeu uma bolsa do British Council para estudar com Wittgenstein em Cambridge. Infelizmente, Wittgenstein morreu e ele teve de escolher outro supervisor. Escolheu Popper, que o recebeu na London School of Economics (LSE). Também, Popper o apoiou para obter emprego em Bristol, em 1955. E por ter afirmado quando Popper publicou Conjecturas e refutações, que o livro trazia observações valiosas, mas não originais. Além de ter endossado piadas, usuais no Reino Unido, tipo “A sociedade aberta e seus inimigos – escrita por um dos seus mais acirrados inimigos”, referindo-se a uma das principais obras de Popper.
Inequivocamente, apenas um “mau” popperiano.