De volta ao Brasil, em agosto de 1967, Paulo Ernani Rezende de Rezende trouxe, além do diploma de Medicina pela Universidade da Amizade dos Povos Patrice Lumumba (UAPPL), uma esposa soviética (Anneta Nathanovna Alexandrovskaia) e uma filha, de um ano de idade, nascida em Leningrado (Isabel-Maria Rezende de Rezende, Belka). Mas, o Brasil, não era mais o mesmo que ele conhecera antes de partir para estudar na UAPPL. Vigorava no País um regime de exceção, perpetrado pelo Golpe Militar de 1º de abril de 1964.
Após breve estada em Passo Fundo, para rever parentes e amigos, e temporada em Tramandaí, desfrutando da casa de veraneio de uma irmã, os Rezende de Rezende partiram para São Paulo, no começo de 1968. Anneta passou a lecionar Linguística Russa na Universidade de Marília e na PUC. E o Dr. Paulo Rezende foi integrado ao grupo do anestesista Dr. Kentaro Takaoka, que atendia em vários hospitais da capital paulista.
Ainda que não estivesse na linha de frente da luta contra a ditadura militar, em paralelo à atividade médica, Paulo Rezende acolhia militantes ameaçados, escondia armas no apartamento e emprestava o carro (um fusca vermelho-escuro) para operações de logística do movimento. Sobreveio o Ato Institucional n.º 5, em dezembro de 1968, e o período mais duro dos anos de chumbo. Assim, no começo de 1969, resolveram enviar a filha Belka para Passo Fundo e Anneta foi para Paris.
Apoiado pelo Dr. Kentaro Takaoka, Paulo Rezende conseguiu indicação para se juntar ao grupo do professor Gauthier-Lafaye, no departamento de anestesiologia dos Hospitais Universitários de Strasbourg. Mas, faltava o jeito de deixar o País sem levantar suspeitas. Por intermédio da advogada Anina Ferreira de Carvalho, conseguiu um passaporte como industrial. E assim, no dia 8 de agosto de 1970, o industrial Paulo Rezende, saia pelo aeroporto de Viracopos rumo a Paris, em companhia da filha Belka, que completava 4 anos naquele dia e teve direito a uma festa a bordo, patrocinada pela tripulação da aeronave.
Na França, depois do treinamento como anestesista-reanimador, trabalhou como médico em Vittel. E, em 1974, indicado pelo professor Gauthier-Lafaye foi para Wissembourg, onde se integrou ao Centro Hospitalar de Wissembourg, permanecendo até 1985. Hoje, Paulo Rezende entende que, até certo ponto, foi irresponsável ao vir passar as festas de Natal e de final de ano no Brasil, em 1974. Ele e Anetta acabariam presos em Porto Alegre, levados aos Dops, para a tomada de depoimentos, e, depois, transferidos para o DOI-Codi em São Paulo. Mais uma vez, Paulo Rezende admite sorte na vida, pois nem ele e nem Anetta foram torturados e, certamente, foi com o apoio de amigos e pessoas influentes no governo militar, que acabariam sendo liberados. Nesse interim, ele e Anneta decidiram se divorciar. Ela foi para os Estados Unidos e virou professora na New York University. Ele e a filha ficaram na França. Belka foi cursar a universidade nos EUA, fez mestrado e doutorado na área de antropologia social, vivendo, atualmente, na Califórnia.
Na França, Paulo Rezende deu curso à vida e à carreira médica. Em 1979 naturalizou-se francês, filou-se ao Partido Socialista, dirigiu o Programa de Medicalização dos Sistemas de Informação, e, em 1989, ingressou no Mistério da Saúde (aposentou-se em 2012). Em 1996 casou-se com Annelise Klein, veio a segunda filha (Jennifer), e, seguindo os passos do pai, entrou para a Maçonaria, em 1997. A partir de 2002, passou a cuidar de relações internacionais do ministério da saúde francês voltadas à América Latina e à África francófona. E foi nesse papel que Paulo Rezende auxiliou na implantação no Brasil do SAMU 192.
Em “Do Pinheiro Torto ao vasto mundo”, Paulo Ernani Rezende de Rezende revelou muito da sua singular história de vida; mas não tudo. Faltou, por exemplo, falar da predileção pelos bombons Sonho de Valsa, cuja dileta mãe encarregava passo-fundenses que iam à França a levar pacotes dessa iguaria para o filho. Na terra de Marcel Proust, os bombons da Lacta teriam o mesmo papel das madeleines e despertariam no Dr. Paulo as memórias da infância no Pinheiro Torto? Eis a questão!