OPINIÃO

La Niña voltou, e agora?

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Desde que foi confirmada a volta de La Niña, conforme o boletim ENSO Diagnostic Discussion, divulgado pelo Centro de Previsão Climática dos EUA (Climate Prediction Center/NCEP/NWS/NOAA),no dia 10 de setembro de 2020, e a repercussão que a notícia alcançou nos veículos tradicionais de comunicação e nas mídias sociais, que, eu imagino, muita gente deve estar se perguntando: e agora? Que isso significa?

La Niña, no imaginário popular, é, quase sempre, associada com estiagens no sul do Brasil, limitações no abastecimento urbano de água, quebras ou frustrações de safras agrícolas e, como consequência, dificuldades para a economia. Mas, ainda que, La Niña, inquestionavelmente, implique em redução de chuvas no sul do Brasil, será que esse fenômeno pode ser considerado prenúncio de tragédia? Antes de qualquer conclusão apressada, que tal um pouco de luz sobre La Niña, a partir da análise das estiagens ocorridas no sul do País nos últimos 50 anos?

Desde 1970, 14 estiagens, com maior o menor severidade, pelos danos causados à agricultura, assolaram o sul do Brasil. Foram elas, tomando-se como referência o período dos cultivos de verão (primavera-verão-outono) e suas respectivas safras agrícolas: 1977/78; 1978/79; 1981/82; 1985/86; 1987/88; 1990/91; 1995/96; 1996/97; 1998/99; 1999/00; 2003/04; 2004/05; 2011/12; e 2019/20. As mais drásticas, em termos de impactos, foram as de 1978/79, 1990/91 e 2004/05. Depois vieram as intermediárias, 1985/86, 2011/12 e 2019/20; e as demais em grau inferior. E, reitere-se, pois nunca é demasiado rememorar, os impactos de estiagens não são homogêneos em todas as regiões do Estado. A metade sul e a porção oeste do território rio-grandense são propensas aos impactos mais severos.

Nessa série de 14 estiagens, La Niña esteve ativa em quatro delas: 1985/86; 1995/96; 1999/00; e 2011/12. Primeira conclusão a ser tirada é essa: La Niña não explica toda a variabilidade inerente ao nosso clima. Mas explica boa parte dela, eu acrescentaria. Indica, por exemplo, a tendência de que as chuvas, na primavera e no começo do verão, contabilizem recolhimentos de água ao redor ou abaixo do padrão normal do clima. Que, em anos de La Niña, pela primavera menos úmida, em geral, tanto em rendimento quanto em qualidade tecnológica dos grãos colhidos, os cereais de estação fria (trigo, cevada, aveias, etc.) têm melhor desempenho nas lavouras. E, ainda que não indique, necessariamente, baixos rendimentos de soja e milho, também não são anos para expectativas de bater os recordes até então obtidos nas lavouras.

Associadas ou não com La Niña, estiagens, no sul do Brasil, são recorrentes. É por isso, insisto, que devemos construir a nossa capacidade de convivência com esse fenômeno. Água é um recurso que pode escassear, em quantidade e qualidade, no mundo e precisamos ter preocupação com o seu uso racional. Na agricultura, especialmente, as praticas conservacionistas mostraram eficiência sobre o rendimento dos cultivos na estiagem que afetou a safra 2019/20. Aqueles produtores rurais que, ao longo dos anos, construíram um solo fértil, fisicamente bem estruturado, sem camadas de impedimento físico ou químico para o aprofundamento as raízes das plantas, colheram mais do que aqueles que nunca se preocuparam com isso. Adoção do Sistema Plantio Direto, seguindo os seus preceitos de não revolvimento de solo, cobertura permanente da superfície do solo (viva e morta), rotação de culturas, elevação da matéria orgânica do solo e a sistematização das áreas para evitar o escorrimento de água e erosão de solo para fora das lavouras fizeram a diferença (13,7 sacas/ha a mais de soja, conforme levantamento da Rede Técnica Cooperativa/RTC, divulgado em 15/05/2020). E, como insumo indispensável, recomenda-se a adesão, sempre, ao seguro rural. Agricultura, indiscutivelmente, é uma atividade de risco.

La Niña, "A Menina", expressão cunhada pelo climatologista George Philander, em meados dos anos 1980, não é mais uma criança. Seria, hoje, uma fugaz e enigmática balzaquiana, que deverá permanecer ativa até o outono de 2021. Então, pelo que sabemos sobre ela, mantenha-se em alerta!

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