OPINIÃO

O construtor da triticultura tropical

Por
· 2 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Ady Raul da Silva (1917-2011) foi entusiasta e protagonista de escol da construção da (hoje reconhecida) história de sucesso da triticultura tropical brasileira. Natural do Rio de Janeiro. Formado em Agronomia pela Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa (atual UFV), em 1937. Mestre (M.Sc.), em 1946, e Dr. (Ph.D.), em 1954, pela Universidade de Minnesota/USA. Foi professor universitário (UFRRJ, UFPR e UFPel), pesquisador do Ministério da Agricultura, depois da Embrapa e do CNPq. E, em 1966, quando foi diretor do Departamento Nacional de Pesquisas Agropecuárias, do Ministério da Agricultura, criou a revista Pesquisa Agropecuária Brasileira - PAB. A revista PAB, hoje editada pela Embrapa, é um dos mais importantes periódicos científicos das ciências agrárias no Brasil.

Ao longo de uma profícua carreira nas ciências agrárias, o Dr. Ady Raul da Silva, por onde passou, deixou contribuições relevantes. Em razão disso, foi agraciado com as principais distinções científicas do País: o Prêmio Frederico Menezes Veiga, em 1973; e a condecoração da Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 1996. E, como coroamento, foi admitido na Academia Brasileira de Ciências, em 1990. Talvez, ainda lhe falte, por tudo que fez em prol da causa do trigo tropical, a condecoração honorífica, in memoriam, e a outorga do título de “construtor da triticultura tropical”.

Há muito que se destacar no legado deixado pelo Dr. Ady Raul da Silva. Fitopalogista, no início da carreira, envolveu-se com melhoramento genético de trigo, tendo criado, entre as cultivares de sucesso, a IAS 20. Eu, por razões óbvias, vou destacar, especialmente, o pioneirismo e a luta pela consolidação do trigo no Cerrado. Suas iniciativas com projetos pilotos de trigo irrigado na região tropical, a identificação da necessidade de correção do alumínio nos solos do Cerrado, a descoberta da esterilidade masculina causada pelo calor e o papel do boro na solução do problema, além do mapeamento de áreas aptas para trigo em Mato Grosso do Sul; são mais do que suficientes para a merecida reverência a sua memória.

Hoje, a tropicalização do trigo no Brasil não é mais sonho de visionários como o Dr. Ady Raul da Silva. A realidade da agricultura brasileira é outra bem diferente daquela vivenciada pelo Dr. Ady e seus projetos pilotos com trigo irrigado no Cerrado. Cláudio Malinski, engenheiro-agrônomo e responsável técnico pelo Departamento de Produção de Trigo da Cooperativa Agropecuária da Região do DF Ltda. (COOPA-DF), relata a colheita, na safra de 2020, em área de 100 ha, irrigada pelo sistema de pivô central, de 140,07 sacas/ha (8404 kg de trigo por hectare), na propriedade do Sr. Paulo Bonato. Afinal, que faz Paulo Bonato para obter esse nível de produtividade? Malinski destaca que ele não faz nada mais do que agricultura bem-feita e usar a tecnologia apropriada para a região. Começando pela escolha da cultivar BRS 264, especificamente desenvolvida para o ambiente tropical, manter cuidados especiais com a qualidade do solo (estrutura e fertilidade), seguir a filosofia da agricultura de precisão e, tecnicamente bem assistido, adotar as medidas de proteção de plantas no momento recomendado, quando essas práticas, sabidamente, são mais eficientes.

Outro exemplo, que tem repercutido, foi a colheita de trigo, nesse ano, no Ceará. A inciativa do empresário Alexandre Salles, da Santa Lúcia Alimentos, em parceria com a Agrícola Famosa, fazenda produtora de melão no distrito de Tomé, em Quixeré, no Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi, superou as expectativas. Foram produzidos, em 1,6 ha, em faixas irrigadas por gotejamento, 5,3 mil kg de trigo por hectare, em 75 dias. A integração trigo e melão, como cultivos em sucessão, aproveitando a palhada do trigo como mulching, dentro dos seus limites, pode prosperar.

Trigo no Cerrado, realidade inconteste. E trigo no Nordeste? Uma possibilidade ainda em construção. Mas, ao celebrar esses resultados, não seria demasiado levantar um brinde à memória do construtor da triticultura tropical no Brasil, o Dr. Ady Raul da Silva. Antes de muita gente, ele acreditou!

Gostou? Compartilhe