Seguidamente sou surpreendido por perguntas como essa do título. Há uma infinidade de chás, alimentos e benzeduras com um pretenso efeito terapêutico em variadas doenças. Essas crenças estão arraigadas entre as populações que acreditam piamente nesses recursos alternativos. Como médico, procuro dissuadir o uso de soluções exóticas, mas as terapias caseiras clássicas têm o meu aval. E tome chá de camomila.
Da sangria à estatística
Sempre que prescrevo um remédio tenho que saber se funciona ou não. Na história da medicina relata-se que a sangria foi usada durante séculos e ocupava o altar de divindade terapêutica. Ninguém duvidava da sua eficiência. Entretanto, no século XIX, Pierre Charles Alexandre Louis, em Paris, decidiu contar os sobreviventes ao tratamento com sangrias para pneumonia e comparou com aqueles sem esse tratamento. Nossa! Verificou que morriam muito mais aqueles que faziam a sangria. Foi o funeral desse tratamento e o início da estatística.
Atenção aos enganos
Para testar de uma medicação nova é necessário ter o estudo adequado. É preciso o cuidado com três vieses que podem ocorrer e nos enganar.
O primeiro é a “História Natural”. Por exemplo, pode-se administrar o remédio numa fase onde a doença já estava em processo de cura. É como dar um limão com mel para gripe, mas ela já iria melhorar.
O segundo é o “Efeito Placebo”. É um efeito que ocorre sempre que se usa alguma medicação. Tomar um remédio ou placebo provoca mudanças na fisiologia das pessoas. Num estudo clássico, em uma população com coceira por alergia, foi dividida em três grupos. Para uns foi dado um antialérgico, para outros, um placebo e para o terceiro não foi dado nada. O pessoal que tomou antialérgico melhorou muito, mas o grupo que tomou o placebo também, comparado com quem não tomou nada. Eis o efeito placebo.
Por último temos o “Efeito Hawthorne”. Quando uma pessoa toma um remédio ela quer, obviamente, melhorar. O médico que prescreve também quer que funcione. Esse fato, se não controlado, pode levar a enganos, pois o médico e o paciente vão tender a dizer que melhora.
Estudando chás
Para tirar esses vieses se fazem os estudos clínicos randomizadas, duplo-cegos e controlados com placebo. Os pacientes são sorteados para um ou outro grupo e não se fica se sabendo quem vai tomar um ou outro comprimido – remédio em estudo ou placebo. Depois de um tempo determinado se “abre” o estudo para ver se no grupo que tomou o remédio teve menos doenças ou não. Casualmente se fez isso com a “Pata-de-Vaca”. Eram dois envelopes, sendo que um continha um grama da folha da “Pata-de-Vaca” e outro um grama de chá da Índia. Esse último se sabe que não altera a glicose. Envelopes iguais e com mesmo gosto e aspecto. Começado o estudo encontrou-se que Pata-de-Vaca diminuía a glicose nos pacientes, mas, curiosamente, o chá da Índia também. A explicação é que os pacientes, por estarem participando de um estudo, cuidaram mais da dieta e fizeram mais exercícios. Dessa forma posso dizer que Pata-de-Vaca não baixa a glicose no sangue e deve ser salientado que se não forem feitos estudos com esse rigor nada pode ser afirmado.
Chás sem estudos
Nessa época de pandemia do coronavírus muitos remédios estão sendo usados sem a realização dos indispensáveis estudos. Para a ciência séria, que dobrou a expectativa de vida dos humanos no último século, enquanto não fizerem os estudos corretos, é tudo chá de Pata-de-Vaca.
(*) Hugo R. K. Lisboa, MD, PhD é endocrinologista e professor de Medicina da IMED