Por coincidência, o parlamento uruguaio foi cenário edificante de procedimento político, a partir da atitude do senador José Mujica. Aos 85 anos, depois de exercer a presidência do Uruguai, afetado por enfermidade, apresentou sua renúncia. Conhecido pelas atitudes de despojamento abriu mão de boa parte dos direitos de aposentadoria, e vantagens do cargo público, para viver de modo singelo. Ao renunciar retorna para sua chácara aos arredores de Montevidéu. Foi guerrilheiro do movimento Tupamaro nos 60, preso e torturado, pela causa libertária nos duros tempos da ditadura seu país. Dito o presidente mais pobre do mundo, manteve sempre caráter altivo, fiel à defesa dos mais pobres, na busca da felicidade de seu povo. Identificado por antagonismos polêmicos, manteve postura digna e luta pela democracia. Mesmo sob pressão e ódio apregoou o perdão em nome de avanços sociais. Vencido pelo desgaste da idade e debilitado pelas condições, é reconhecido pela dignidade no exercício da missão de liderança política renunciando vantagens financeiras e sobrevivendo sem privilégios legais.
Isso acontece no momento em que mais um vexame nacional acontece no Brasil. O senador Chico Rodrigues, flagrado em diligência policial por suspeita de corrupção, escondeu dinheiro vivo nas cuecas. Não é a cueca que mancha a vida pública do parlamentar da maior república do continente sul-americano. Ostentava recente nomeação de vice-líder do governo Bolsonaro, amigo pessoal da confiança do presidente. Instado pelo Supremo Tribunal ao afastamento temporário do cargo no processo de investigação, agarrou-se aos privilégios parlamentares evitando enfrentar a comissão do Senado. Entre panos quentes do poder legislativo apresentou pedido de afastamento só depois de garantir que a remuneração financeira do cargo seria destinada a seu suplente, o próprio filho, Pedro Artur Rodrigues. Este receberá a caríssimo rendimento que permanece na redoma familiar. Nenhum gesto do senador remete à fidelidade que se digne ao povo que deveria representar. Não foi lembrado o eleitor sofrido de seu estado. A dinastia do dinheiro, a vantagem pessoal e familiar, esta sim, veio defendida com unhas e dentes, mesmo com o signo vulgar da indecência. O povo que se dane e que persista a dinastia da cueca.
É preciso lembrar, ainda, que o espasmo produzido pelo flagrante da cueca não é prova sobeja da materialidade no delito de corrupção. Obviamente as diligências policiais trarão comprovações e evidências que demonstrem o suposto crime contra o patrimônio público. As circunstâncias jocosas do fato não podem iludir a certeza da esperada punição. O que preocupa é a indômita persistência de pessoas que ocupam altos privilégios e roubam escandalosamente o dinheiro do contribuinte sem qualquer compaixão. Normalmente são pessoas abastadas que negam tudo o que se espera da moral e ética, sem piedade de nossa gente sofrida. Neste sentido apresentamos o exemplo límpido do líder Mujica, que exerceu altas funções públicas, vive com dignidade, sem ostentações. Parece-nos também perigoso e injusto o senso comum que generaliza o conceito da classe política que se vê jogada na vala comum. Por isso é mais do que urgente promovermos o conceito de lideranças honestas, seja qual for sua matiz ideológica no ambiente democrático. A disputa ideológica não pode ser fulminada pelo ódio mordaz que elimina condições de diálogo.
A vacina
As pessoas de bem fizeram e fazem do enfrentamento à pandemia aprendizado doloroso, mas com os primeiros resultados. A boa notícia é a evolução da vacina, ou das vacinas. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde anuncia que o governo federal fará a compra para distribuição de vacinas. Há esforço mundial para que em janeiro haja vacinação.
Nesta hora é preciso que os mandatários, pagos e delegados para defender a causa pública sanitária, sejam guiados pela grandeza cívica. Afinal, são cinco milhões de afetados pela doença, com o terrível resultado de 155 mil mortos. Nossa salvação, no que for possível, depende de grandezas éticas e morais. Nada de favores pessoais financeiros ou meros dividendos eleitorais, por que há muito a percorrer.