Os acontecimentos históricos da pandemia guardam relatos históricos com semelhança no espaço temporal, e quase simetria. Tivemos a oportunidade de ler um livro de Fidelis Dalcin, nos anos 60. A obra relata um romance verdadeiro em meio à gripe espanhola, em 1918. Tudo aquilo impressionava também com base nas narrativas de meus pais em repetidas histórias que eles vivenciaram na adolescência. A morte espelhando medo em todos os municípios do estado gaúcho, onde a população do interior era a maioria. A ausência de comunicação e meios de mobilidade, falta de hospitais, e incertezas da informação escassa. Os casos de pessoas que se dispersavam. O romance relata fatos circunstanciais reais sobre o abalo na saúde pública. O enredo de Fidelis não se detinha em preciosidades em torno do casal de noivos que se perderam durante a doença. A moça ficara internada numa comunidade distante do noivo e este não a encontrava, nem sabia notícia para saber se estava viva ou não. Os dados carreados ao livro descreviam acontecimentos e angústias de doença, mortes, choro e algumas curas da violenta gripe espanhola. A noiva, não era descrita como princesa, mas objeto de aflitiva espera mútua durante os meses em que convalesceu. Lágrimas de angústia dos dois protagonistas regaram outras histórias verdadeiras. Ao final foi o que se pode dizer um final feliz para os noivos que se encontraram, alquebrados de tanto sofrer, mas vivos. O momento de exultação no desfecho dramático frisado com clareza e detalhes foi repleto de emoções. O livro retratou a tristeza e o clima de compaixão nas famílias atingidas pela morte. A crise passou, mas deixou muitas feridas.
O encontro das pessoas neste momento em que vivemos apresenta registros instantâneos oportunizados pela frenética tecnologia da comunicação eletrônica. O que nos é dado a observar, no entanto, é que naqueles tempos tão íngremes os elos de compaixão eram mais intensos e verdadeiros. Temos hoje casos edificantes de solidariedade, mas o torpor parece pairar nas relações pessoais, entre famílias, vizinhos, amigos. Não é hora de sentir vergonha nos cuidados do famigerado protocolo de condutas, ou esconder o medo que atinge igualmente todas as classes sociais. O acinte das festas histriônicas é ostentação danosa para todos. A doença que ronda todos os cantos de nossas vidas atinge a lucidez. Fugir da realidade ameaçadora é incompreensível, mesmo com a vacina que começa a aparecer ainda imersa em dificuldades de acesso para o brasileiro. A alienação individual e coletiva não pode se transformar em falso status social.
Falamos na alienação como falta de atenção mútua. Além da praga criminosa da corrupção dos inescrupulosos que literalmente roubam para enriquecer às custas do dinheiro público, atitudes irresponsáveis e negacionistas desconsideram o apelo sempre urgente de cooperação. O vírus está em toda parte.
Agitação
Está cada vez mais evidente que a disputa partidária antevendo as próximas eleições atrapalha a concentração do foco obrigatório no combate à pandemia. De um lado e de outro há exageros. Indisfarçável o oportunismo, por exemplo, do governador João Dória, aproveitando oportunidade de deflagrar a vacina em São Paulo. Bem mais aproveitável, no entanto do que o jogo ambíguo de adversários que se lançam cegamente ao negacionismo ou propagação de soluções esdrúxulas e falsas pajelanças. Na agitação democrática é irrelevante o uso de espertezas políticas diante da urgência da vacina. Com sua saliência no comando de São Paulo, as imperfeições podem ser desconsideradas no momento. Isso por que a atitude de Dória provocou o despertar do marasmo do governo federal, que se sentiu atropelado e agiu mais decididamente na distribuição da vacina e na complexidade da logística que impõe a dimensão continental do Brasil. Cumpriu-se o adágio popular de que Deus escreve certo por linhas tortas, e a vacina assume a prioridade que merece também no âmbito federal. O acerbo do governador teve bom resultado e atropelou as demais autoridades. Funcionou! Os detalhes do oportunismo podem ser avaliados mais tarde, já como mero adminículo da história da democracia.