No começo da noite de 13 de março de 2013, depois que a fumaça branca na chaminé da Capela Sistina anunciou que o novo Papa havia sido eleito, os sinos das igrejas em Roma repicaram e o cardeal protodiácono (o decano da ordem dos diáconos) Jean-Louis Tauran proferiu o clássico e convencional “Habemus Papam”, diz a lenda que na Casa Generalícia da Companhia de Jesus, na Via Borgo Santo Spirito, n.º 4, a poucos metros da Praça de São Pedro, reinou um silêncio quase sepulcral.
Jorge Mario Bergoglio, o primeiro jesuíta alçado ao posto de Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana, doravante Papa Francisco, nunca fora unanimidade entre os discípulos de Santo Inácio de Loyola. Sobre o sucessor de Bento XVI, desde que, aos 36 anos de idade, em 1973, foi alçado ao posto de provincial da ordem na Argentina, pairava a suspeição de ter sido omisso em relação à ditadura militar que governou o país nos anos 1970 e à perseguição imposta aos jesuítas que haviam aderido à Teologia da Libertação e, em razão disso, acabariam presos, torturados ou mesmo mortos. Isso não procede, asseguram os defensores do Papa Francisco. Ele, na época, teve de lidar com uma ordem religiosa em crise financeira e com falta de vocações, angariando inimizades pelas decisões que teve de tomar. Mas, indiscutivelmente Bergoglio não foi omisso e nem pactuou com a ditadura, afirmam com convicção os seus aliados. Inclusive, ele, pessoalmente, teria se empenhado para proteger religiosos e outras pessoas ameaçadas de perseguição. Ao fim e ao cabo, o carisma e a humildade do Papa Francisco suplantariam as dúvidas sobre a sua integridade moral.
A partir de 2014 ganhou notoriedade uma fotografia dos anos 1960, em que é mostrado um encontro entre o então professor de literatura Jorge Mario Bergoglio e o renomado escritor Jorge Luis Borges. Matérias em jornais e revistas do mundo todo, entrevistas com testemunhas daquele momento histórico, ensaios acadêmicos diversos e formulação de teses variadas, nem sempre corretas, para explicar o encontro desses dois “Jorges”, levaram essa imagem a uma popularização até então inimaginável. Afinal, que há de especial nessa cena registrada por um fotógrafo do interiorano jornal El Litoral para ter merecido tamanha atenção? Qual a verdadeira história do encontro retratado? E os seus desdobramentos? Seria o Papa Francisco um personagem possível na ficção de Borges?
A fotografia do Papa Francisco com Jorge Luis Borges, para muita gente, guarda contornos de um conto borgeano. Entendê-la exige que se saiba que, antes de ser ordenado padre, Jorge Mario Bergoglio teve de cumprir as etapas da formação jesuítica, atuando como professor no Colégio Imaculada Conceição, em Santa Fé, na Argentina. Nesse educandário, apesar da formação em química, Bergoglio deu aulas de literatura. E, para reforçar o que ensinava em sala de aula, tinha o costume de convidar escritores para dar seminários aos seus alunos, primando pelo que se pode chamar de educação de qualidade. Assim, nas aulas de Bergoglio, o professor “Carucha” (apelido dado pelos alunos, pela sua cara de bebê), marcaram presença no Imaculada Conceição, gente como as escritoras María Esther Vázquez e María Esther De Miguel, entre outros nomes. E o mais famoso de todos: Jorge Luis Borges.
Foi, possivelmente, com a ajuda de María Esther Vázquez, secretária, colaboradora e membro do rol das mulheres que Borges fora apaixonado, que Bergoglio conseguiu se aproximar do célebre escritor argentino. Consta que, em 1965, o professor Carucha convidou Borges, apesar de reconhecidamente agnóstico, para dar umas aulas de literatura gauchesca aos estudantes do Imaculada Conceição. Para a surpresa e incredulidade de muitos, Jorge Luis Borges, o então diretor da Biblioteca Nacional da Argentina, o professor de Literatura Inglesa da Universidade de Buenos Aires e, na época, o candidato ao Nobel de Literatura (que nunca ganhou, frise-se), aceitou.
Quer saber como essa história termina? Aguarde até a próxima sexta-feira. (...continua.)