Bertrand Russell (1872-1970), no livro The Problems of Philosopy, de 1912, no capítulo 6, sobre indução, deu vazão à historia do indutivista ingênuo, cujo protagonista principal era um frango. Nas versões que a sucederam, o frango foi trocado por um peru, tornando a história mais atraente e mais palatável ao gosto popular. Ei-la (em adaptação livre): certa feita numa granja de criação de perus surgiu um peruzinho metido a cientista. O animalzinho era metódico e costumava anotar tudo o que acontecia na granja. Nas suas notas chamou-lhe a atenção que todos os dias, por volta das 9h, vinha o tratador e fornecia a ele e a seus irmãozinhos uma saborosa refeição na forma de ração balanceada. Analisando os dados que havia coletado ele constatou que, independentemente do dia da semana, se fazia sol ou chovia, se era frio ou fazia calor, sempre, o tratador aparecia e fornecia a refeição. Conclusão elementar: na granja, todos os dias, por volta das 9h, é servida a refeição para os perus. Concluiu e relaxou. Mas, eis que chegou a véspera do Natal e o tratador não apareceu às 9 h. Nenhuma refeição foi servida naquela manhã. No começo da tarde o tratador chegou vestido de branco. Nas mãos, em vez de ração, trazia um facão. Não serviu qualquer alimento dessa feita e degolou o peruzinho cientista e de resto todos os seus irmãos. Logo mais, na ceia natalina, eles seriam pantagruelicamente devorados, em meio a brindes e votos de felicitações.
Trágica e inverossímil essa historinha do peruzinho indutivista ingênuo. Eu sei. Mas ela ilustra bem o risco de conclusões tiradas com base na inferência indutiva ingênua. Apesar de embasadas na experiência, essas conclusões podem ser enganadoras e perigosas. Foi o caso do peruzinho cientista que, mesmo tendo usado premissas verdadeiras, chegou a uma conclusão falsa. A indução, por esse tipo de particularidade e pelo fascínio popular que exerce, tem merecido a atenção de filósofos da ciência há muito tempo. David Hume, em meados do século XVIII, pôs essa questão na pauta de discussões que se estendem até hoje. Mas, sem qualquer dúvida, a indução tem apelo, é útil e é muito usada nas ciências experimentais ou empíricas, como é o caso das agrárias e da saúde. Mas, para ter alguma validade, precisa ser integrada a delineamentos experimentais que primem pela aleatorização e por controles duplo-cegos. O que não é aceitável é o uso indiscriminado do princípio da indução, a partir de exemplos intencionalmente ou ingenuamente escolhidos, dando base a conclusões apressadas ou não e com ou sem conflitos de interesse.
Os tempos atuais, em meio à pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 e a vida tocada sob a égide das redes sociais, são pródigos para os indutivistas de carteirinha. E dê-lhe receitas de curas baseadas em experiências ou supostas experiências de tratamentos sem comprovação (desconhecidos até mesmo pela área médica, muitas vezes), indicação de medidas protetivas sem eficácia e previsões de fim da pandemia com base em analogias do passado que, não necessariamente, guardam qualquer relação com a Covid-19. E, o pior dos males, o indutivismo como o criador do negacionismo.
No universo do negacionismo Covid-19, há os negacionistas tipo raiz e os negacionistas ingênuos. Os do tipo raiz adotam o perfil negacionista deliberadamente. Sabem o que o fazem e os riscos inerentes. Os ingênuos, não. São seguidores dos primeiros e, de fato, são crédulos no seu negacionismo. Ao dar ouvido a pregações negacionistas raiz e saber que vizinhos e amigos fizeram isso e aquilo e nada de mal aconteceu, o negacionista ingênuo, com o senso indutivo aguçado pelas redes sociais, abre a guarda. Abandona o uso da máscara (ou faz de conta que usa) e, sem qualquer preocupação, em vez de evitar, busca por aglomerações humanas e maior contato social (festas). Dias depois, eis que encontramos o nosso negacionista ingênuo ou chorando a perda de uma pessoa próxima, mais vulnerável do que ele, ou, mais raro, o próprio numa fila de espera por leito de UTI. Felizmente essa é uma história de ficção!