Roberto Alifano, jornalista e escritor argentino, teve o privilégio, segundo ele próprio costuma assinalar, de frequentar dois dos mais queridos endereços da literatura latino-americana. A casa de Pablo Neruda, em Isla Negra, no Chile, e o apartamento de Jorge Luis Borges, na Callle Maipú, 994, sexto piso, no centro de Buenos Aires, capital da Argentina.
Alifano, em 1973, vivia em Santiago, no Chile, na condição de correspondente do jornal Argentino La Opinión e colaborador de outros veículos locais de comunicação. Aos finais de semana frequentava a casa de Pablo Neruda em Isla Negra. Nesse endereço o poeta, acometido de câncer de próstata, viveria seus últimos dias na companhia de Matilde Urrutia. Dez dias depois do golpe militar perpetrado no Chile, por Augusto Pinochet, morreria Pablo Neruda. Naquele 23 de setembro de 1973, Roberto Alifano foi um dos poucos que participou do velório do poeta em Isla Negra. Acompanhou o féretro de Neruda para Santiago e proferiu, a convite de Matilde, umas breves palavras de despedida. Esse fato, noticiado na capa do jornal El Mercurio, custou-lhe, segundo ele, uma detenção e a expulsão do Chile.
De volta a Buenos Aires, Roberto Alifano, em 1974, estreitou a aproximação com Jorge Luis Borges. Virou colaborador do escritor, fazendo leituras, anotações e auxiliando-o em traduções. Compartilhou com Borges os créditos das traduções das Fábulas de Robert Louis Stevenson e de poemas de Hermann Hesse. A presença de Alifano na vida de Borges passou a ser quase que diária, especialmente entre 1978 e 1985. A totalidade (ou quase) do que publicou Borges, nos últimos 10 anos de vida, foi ditada a Roberto Alifano. É por isso que Alifano se reserva o rótulo de “amanuense de Borges”, em alusão aos copistas ou escreventes de textos à mão (ab manu). Mas, Alifano foi mais do que um simples amanuense. Acompanhava Borges em viagens pelo interior da Argentina e participava ativamente dos diálogos públicos do escritor. Além de jornalista e escritor reconhecido por méritos próprios, com vários livros publicados.
Aos livros de conversas com Borges (Twenty-Four Conversations with Borges, Conversaciones con Borges e Últimas conversaciones con Borges), somam-se Borges - Biografia Verbal (1987) e El humor de Borges (1996). No primeiro, Alifano deu destaque à obra oral deixada por Borges em entrevistas, diálogos, palestras etc., que complementam a vasta produção borgeana escrita. E, no segundo, a partir de diálogos entre ele e o escritor ou de conversas que presenciou, compilou tiradas e opiniões de Borges que primam pela ironia refinada, sarcasmo e bom humor.
O inventário reunido por Roberto Alifano vai desde Bernard Shaw se referindo que “os ingleses têm três coisas importantes e nenhuma das três é inglesa. O uísque é escocês, o chá é do Ceilão e eu sou irlandês” até a opinião de Borges sobre o livro Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez, “um grande romance, ainda que sobrem 50 anos.” A história do motorista de táxi que não lhe cobrou a corrida, dizendo “que honra a minha ter o senhor como passageiro! Quando contar para minha mulher e filhos não vão acreditar. Quem não conhece a Ernesto Sábato!” Ou enaltecendo a sua ignorância: “eu não sei nada... não estou seguro de nada... sou tão ignorante que nem sequer sei a data da minha morte.” Além do peculiar Curriculum-Vitae que, depois de muita insistência, apresentou para concorrer à vaga de professor de literatura inglesa na Universidade de Buenos Aires: “Jorge Luis Borges, nascido em Buenos Aires a 24 de agosto de 1989. Ex-professor da Universidade de Austin. Autor de alguns livros de poesia, contos e ensaios.”
Alifano presenciou as exéquias de Pablo Neruda, mas não as de Borges. Ainda que tenha despachado com o escritor na manhã do seu último dia em Buenos Aires (28 de novembro de 1985). Jorge Luiz Borges morreu em Genebra, Suíça, no dia 14 de junho de 1986, isolado dos amigos, personificando os versos “¿En cuál de mis ciudades moriré?/ ¿En Ginebra, donde recebí la revelación/ no de Calvino ciertamente, sino de Virgilio y de Tácito?”