Pela primeira vez nos últimos tempos vemos a força reivindicatória popular recebendo atenção antes de forte manifestação das ruas. É necessário entender a circunstância aparentemente silenciosa do brasileiro, perplexo, atônito, mas ferido de dor e morte pelos efeitos da pandemia. A tipicidade da mobilização popular brasileira não se moldou à circunstância de dor nacional em meio aos perigos, ameaças e acontecimentos de fato, como a morte que aflige assustadoramente as famílias. O ambiente funeral que chegou rapidamente a todos os lares do país juntou-se à continência da morte, suscitando o respeito pelas vítimas falecidas aos milhares e milhões de atingidos pela enfermidade. A consternação tolheu a externalização da revolta, contida pela própria dor. Nosso povo não está conformado, mas os ânimos estão abalados diante das próprias características da pandemia, e da recomendação de recolhimento doméstico, evitando as ruas como palco democrático da revolta popular. Estamos respeitando o luto.
Os erros fatais
A dor das mortes, a enfermidade corporal e psíquica, ocorrem ao mesmo tempo em que os danos financeiros adquirem proporções assombrosas com o desemprego e a fome. A doença do coronavírus, suas inúmeras sequelas e as vidas que se perdem são irreversíveis. Reversíveis são as pesadas consequências econômicas que afetam diretamente as relações sociais. Chegamos ao momento em que é impossível separar tudo isso. A fragilidade nervosa do planeta enseja elevação de sandices e contrapõe as sensações humanas ou desumanas, formando perigosíssimo arsenal explosivo. O ódio ganha proporções extremas. O imenso território nacional tornou-se campo minado. Ocorre que, de onde se esperava competência política e de gestão, surgiram erros, alguns plausíveis e outros inadmissíveis e fatais.
O grito dos malsinados
Seria inadmissível que o poder central do país não tivesse informações mais precisas sobre o perigo da pandemia, ainda no início de 2020. Mesmo diante do anunciado perigo para o povo dessa nação, a informação privilegiada chegou fartamente aos proscênios políticos, e à grande elite. O poder da República encastelou-se. O Planalto fortaleceu seu aparato médico usando para o comando, familiares e apaniguados, as melhores reservas estratégicas de combate à pandemia, com altos custos à nação. A maioria das famílias brasileiras ficaram, obviamente num segundo plano. Sem água, sem moradia e largada à sorte diante da avalanche de pesares. O pior e pérfido foi o presidente comandar o desatino da omissão. Que o trabalhador deixasse de “mimimi”, deixasse de ser covarde, que adotasse postura de macho, que, enfim aquilo era apenas uma gripezinha, alarido da imprensa leviana ou de comunista. Este foi o grito que malsinou os passos de orientação social devida ao povo brasileiro. O grito da estupidez voltou-se contra a angústia coletiva e contra a consciência de compaixão. O gemido de dor foi avolumando-se sem resposta de quem detém o poder. As elites culturais perceberam isso e começaram a falar de suas tribunas, mas a urgência de levante mais vigoroso demorou. Estribado na própria loucura o presidente agrediu a autoridade médica e o ambiente científico sanitário. Os médicos e enfermeiros, mesmo vendo o absurdo da omissão governamental não puderam sair em socorro dos seres vivos por que cumpriam o dever inabalável de atender moribundos.
Finalmente
Toda a consciência salvadora do setor da saúde estava reprimida. Chegou um momento em que os médicos foram à imprensa. Depois vieram manifestações do judiciário e do parlamento Nacional. Veio também a carta das lideranças e empresários. E, vejam só, foi logo após a manifestação do ex-presidente Lula (sem avaliarmos o mérito político partidário), somente nesse momento que Bolsonaro começou a reagir. Parece que abandonou oficialmente suas bruxarias contra o uso de máscaras, contra as vacinas de países de sua antipatia política, e deixou de lado seus dogmas da cloroquina, ivermectina e outras recomendações temerárias no combate ao coronavírus. Está claro que o presidente não sabe fazer o “ó” com a bunda do copo, em matéria de saúde pública. Se algum dia teve, perdeu autoridade.
Finalmente, ainda que tarde, começou a vacinação e são anunciadas novas vacinas a serem fabricadas no Brasil.