A movimentação do Palácio do Planalto no sentido de ampliar o espectro da CPI que visa apurar responsabilidades do governo federal no enfrentamento da covid é o reconhecimento tácito da necessidade. Está implícita a lógica da pertinência em relação ao procedimento investigativo. A ideia é diluir a intensidade do objeto formulado ainda em fevereiro no requerimento de Cajuru. Isso tudo enquanto se aguarda a manifestação do STF sobre a decisão expedida liminarmente pelo ministro Roberto Barroso. O governo federal age no sentido de dividir a eventual culpa. A polícia Federal já vem apurando irregularidades no uso de verbas nos estados e municípios. Talvez seja oportuno que os estados instalem a CPI em cada unidade da federação para avaliar o uso de verbas. Mesmo com essa percepção, o que permanece sólido é o objeto da iniciativa parlamentar que visa apurar omissões claramente assumidas na gestão federal. A modulação pretendida pelo Planalto é reconhecimento inelutável do objeto principal da investigação. A liderança de governo acena com iniciativa de CPI abrangendo, além das revoltantes práticas de negacionismo, a diversidade de irresponsabilidades já conhecidas nos estados e municípios. A ideia é embaralhar o objeto da CPI do Senado, fato que pode ocorrer. O presidente da República quer partilhar a gravidade da demora na adesão às vacinas capitaneada por Bolsonaro. Seja como for, o medo do desgaste da União é resultado de mais uma ação parlamentar para forçar o governo a mudar de atitude. É pressão justa e democrática para vencer a misteriosa inércia federal. Nessas alturas dos acontecimentos que toldam o céu brasileiro com a escuridão da morte, toda a atitude vigorosa é necessária. Estamos todos à beira do abismo e temos que reagir, como disse Horácio “tua res agitur, paries com proximos ardet” (cuida das tuas coisas quando a parede do vizinho estiver pegando fogo). O que insiste em aterrorizar individualmente é grito de alerta agora coletivo.
Dízimos
O propósito religioso de abrir logo espaços de reunião para cultos e celebrações é reconhecido como importante neste momento de grande aflição pela pandemia. Também é reconhecido que vivenciamos momento de gravíssima apreensão que inclui cautelas evidentes que impedem aglomerações. Não se trata, portanto, de cercear liberdades religiosas. Também é reconhecido que a relação do homem com Deus pode ser exercida excepcionalmente, mesmo sem a proximidade física das comunidades. A proibição de celebrações é adotada numa situação de extremo perigo para a propagação da pandemia e em caráter temporário. A contundência de alguns protestos contra o reconhecimento das medidas de distanciamento, no entanto, revela propósitos diferentes do que aparentam. Observadores alertam para a motivação de alguns líderes mais afoitos irritados com a redução das arrecadações dos cultos. O dinheiro está curto em todos os segmentos populares. É realidade, mas é preciso avaliar a prioridade. O dízimo ou as espórtulas fazem parte da vida religiosa, mas o momento exige compreensão, ou seja, a tolerância da falta de dinheiro por algum tempo, amenizada com solidariedade existente no próprio circuito religioso. As quedas bruscas das arrecadações exigem sentido de compaixão, compatível com a doutrina religiosa. Saúde é prioridade.
Armar o povo
A implantação de medidas federais para liberar armas, convenhamos, não é prioridade. Além disso, a liberação de armas e munições não é necessidade da maioria pobre a miserável. Esses segmentos jamais terão acesso ao armamento a partir do custo que isso representa. No momento que sugere maior cautela pacificadora, a liberação de armas para elites é polêmica. O clima é favorável aos desatinos de grupos fanáticos, milicianos, que são pouco combatidos oficialmente. As fábricas de armamentos vivem euforia em plena pandemia. Lucro inimaginável. Noticia-se que a Taurus passou de 300 milhões a dois bilhões na venda de armamento. Ao propagar essa imagem de austeridade, bradando que manda no país, o presidente precisaria ocupar-se do descalabro no preço dos medicamentos. Sedativos indispensáveis aos leitos de UTI, no socorro às vítimas da pandemia, têm aumento drástico de até 650%.