Com um grilo na cabeça
O ser humano não é tão humano assim. Fazemos tantas besteiras que não merecemos ser chamados se gente. Desde a semana passada, ouvia aquele inconfundível cricri de um grilo na minha sacada. Não sabia onde o parente de gafanhoto se escondia e, confesso, aquele barulho não me incomodava. No sábado, havia estendido roupas na sacada. E diz a lenda que os grilos comem tecidos. Então, para proteger as minhas roupinhas, esborrifei um inseticida junto à grade. O canto persistiu e, com impulso exterminador, resolvi também pulverizar a base externa da sacada. Nada. O grilo persistiu cricrilando. Por pouco tempo, pois uns 30 segundos depois ele emudeceu. E nesse silêncio começava a minha tragédia. Bateu o remorso. Sim, os seres humanos fazem besteiras e depois têm arrependimentos. Ora, por que matar o meu amiguinho seresteiro das noites? Foi pacabá!
Com o beiço na altura do umbigo, consegui ir ao banho e preparar um jantar que desceu quadrado. Naquele momento, como bem disse o profeta-compositor Lupicínio Rodrigues, o remorso estava me torturando. Tentei afogar as mágoas em copos de cerveja, mas o sentimento de culpa provocou um mal-estar generalizado. Impossível dormir. Já era madrugada e ouço aquele conhecido cricrilar. Seria fruto da imaginação de um criminoso arrependido, pensei. Então fui para a sacada conferir o ruído fantasma. Com o ouvido afinado, reconheci que era o canto da vítima da minha intentona inseticida. Ufa. Que alívio. Apreciei a serenata. A sua voz estava firme e, portanto, sem sequelas do agrotóxico. Também grilei e até pensei na produção de um show com meu amiguinho. Final feliz! O grilo vive e eu vivi uma grande lição com o grilo na sacada para tirar os grilos da cabeça. Cricri!
Sem máscaras, com recordações I
Domingo, resolvi encarar uma caminhada. Segui rumo ao histórico Boqueirão, meu caminho predileto. Caminhada na pandemia exige alguns cuidados, desviei das pessoas, pois boa parcela anda por aí sem máscara. A opção seria o canteiro central, mas, por puro modismo, estava congestionado por pernas e pedais. Seguindo até a esquina da Alferes Rodrigues, encontrei uma festa no canteiro central. Comércio na rua e muitos agrupamentos. Então, atendendo ao bom-senso, decidi por interromper a minha caminhada. Retornei uma quadra e parei quase em frente à Igreja São Vicente de Paulo. Ali resolvi fazer uma estatística superficial sobre o uso de máscaras naquele canteiro. Contei 34 pessoas, a maioria em pequenos grupos e algumas caminhando. O cálculo percentual foi fácil, pois 100% estavam sem a máscara. Olhando a linda igreja e o comércio na frente, até lembrei-me da passagem sobre os vendilhões do templo.
Sem máscaras, com recordações II
Retornando pela calçada, desviei de mesas, cadeiras de praia e, como corria o mate ou a cervejinha, estavam todos sem máscaras. Ora, considerei arriscado voltar pela Avenida, pois era muito habitante por metro quadrado para essa época. Então, optei pela Moron. Lembrando os domingos de antigamente, segui o trajeto dos torcedores na saída do velho Wolmar Salton. Senti-me bem mais seguro, pois as poucas pessoas com quem cruzei utilizavam máscaras. Vim lembrando como era a Moron há mais de 40 anos, tentando recompor os espaços hoje ocupados por enormes edifícios. Diante do que restou do prédio do Visconde do Rio Branco, quase ensaiei uns passos para homenagear os gloriosos carnavais. Passei por algumas casas remanescentes e até lembrei-me da cor dos sofás. A Moron mudou bastante, mas ainda permite uma viagem ao passado. Boas lembranças na cabeça, nostalgia na alma e hormônio da vida nas veias. Passeio interrompido, alma enxaguada.
Prevaricação?
Será que existe a remota possibilidade de privilégios na Área Azul da Avenida Brasil, naquele trechinho entre a esquina da Bento e o estacionamento das motos?
Trilha sonora