Mais do que se alvoroçar na defesa da infalibilidade de profecias, quem faz projeções de futuro deve construir proposições que possibilitem a preparação para esperar o inesperado. Não é sem razão que previsões de pais ou mães de santo, sem qualquer intenção de ofensa aos devotos, que a cada virada de ano, com seus búzios e cartas, tomam conta dos veículos de comunicação, são destituídas de utilidade para quem lida com planejamento estratégico. E tampouco, no caso da Covid-19, as previsões de epidemias e/ou pandemias, sempre presentes nos relatórios das principais agências de inteligência das nações mais ricas do planeta, mostraram-se úteis. Qual seria a razão? E que sinais de futuro emergem para o mundo pós-Covid-19?
Previsões de epidemias e/ou pandemias quando postas sem as condições de contorno bem delimitadas, como mencionado, ainda que disponíveis, são pouco úteis. Mesmo que fosse factível supor que uma pandemia causada por vírus pudesse ter início no continente asiático e, no atual mundo interconectado, se espalhar rapidamente pelo planeta, nada tão drástico quanto a Covid-19 surgiu no radar de qualquer projeção de futuro até então conhecida. E veio a Covid-19, com o vírus SARS-CoV-2, que, em dezembro de 2019, admite-se, começou na cidade de Wuhan, na China, e tomou conta do mundo, deixando um rastro de crises econômicas, convulsões sociais e politicas, e, nesse mês de abril de 2021, ultrapassou a marca de três milhões de mortos (quase 400 mil no Brasil). E, como sói acontecer, mesmo depois de superada a Covid-19, há indícios que o futuro da humanidade carregará a marca indelével dessa pandemia pelos próximos 20 anos.
Navegar pelas águas turvas e revoltas do futuro é arriscado. Mas há tendências que podem sinalizar a conformação que o mundo ora está assumindo, ainda que, por depender de escolhas humanas, o futuro, quase sempre, se desenrola de forma não prevista. Mesmo assim, os indicadores relacionados com demografia, ambiente, economia e inovação tecnológica denotam sinergismos que afetarão, conscientemente ou não, indivíduos, sociedades e o relacionamento entre as nações.
Um pouco além do horizonte que a nossa zona de conforto (ou ignorância mesmo) delimita, aguardam-nos o aceleramento de tendências que, em maior ou menor grau, estavam em andamento antes da Covid-19. Incluam-se: e-commerce, modalidade EAD, telemedicina, trabalho remoto (home office e teletrabalho) e a institucionalização digital (e-Título, Carteira Digital de Trânsito, meugov.br, etc.), demonstrando, na prática, a força da “destruição criativa” popularizada pelo economista Joseph Schumpeter.
Acentuaram-se e se acentuarão mais, as disparidades sociais relacionadas com renda individual/familiar, habitação, exclusão digital, acesso a sistemas de saúde, desigualdade de gênero e racial, incorporação no mundo do trabalho etc. Alguns indicadores de desenvolvimento humano poderão retroceder décadas, eliminando avanços alcançados a duras penas. O descuido no combate de doenças que, até então, eram consideradas controladas ou erradicadas (varíola) no mundo, pode implicar o recrudescimento de problemas causados por malária, sarampo, poliomielite, etc.
A eliminação do Estado da vida em sociedade, em tempos de Covid-19, mostrou-se um mito. E, contrariando o senso liberal, cresceu a intervenção dos governos na economia, aumentando as dívidas públicas, cujos reflexos serão sentidos nos próximos anos. O nacionalismo xenófobo, propalado por líderes populistas e ansiosos por soluções rápidas, fez ressurgir riscos para as liberdades individuais e, até mesmo, para as democracias. E perderam protagonismo OMS e ONU, enquanto cresceu a relevância das parcerias público-privadas (desenvolvimento de vacinas) e de instituições como a Fundação Gates.
Enfim, os próximos 20 anos estão vindos aí. Para mais detalhes, sugiro consultar o relatório “Global Trends 2040”, elaborado pelo National Intelligence Council dos EUA, e disponível em: www.dni.gov/nic/globaltrends.