OPINIÃO

Estação de Monterrey

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Estação de Monterrey é o livro de estreia do advogado Júlio César Pacheco nos domínios da narrativa longa. Eis um gênero de literatura que poucos passo-fundenses se aventuraram: o romance. Nossos romancistas, apesar da tradição literária da cidade (Academia de Letras desde 1938, terra das Jornadas de Literatura, Capital Nacional da Literatura, Curso Universitário e Programa de Pós-Graduação em Letras, Livrarias, Editoras, Gráficas, etc.), são escassos. Razão pela qual, novos autores e novas obras, nesse gênero, são sempre bem-vindos.

Na categoria de romance, que guardam alguma identidade local, enquadram-se o folhetinesco Marta (1947), do advogado Jurandyr Algarve, que assinou o livro sob o pseudônimo Montclair, o indigenista Irapuã, do jornalista Jorge Edeth Cafruni (com edições de 1955 e 1962), Uma terra à procura do céu (1966), do agrônomo Gilberto Borges, além de títulos mais recentes de Jorge Alberto Salton, Agostinho Both, Marconi De Cesaro e da jovem escritora Stefani Paludo da novel Sociedade dos Poetas Vivos. E, agora, Estação de Monterrey.

Estação de Monterrey narra a história do ferroviário e estudante de Direito Benito. Desde o seu ingresso, aos 21 anos, como foguista na Rede Ferroviária Federal (antiga Viação Férrea do Rio Grande do Sul), em 1968, a entrada no curso de Direito (bacharel que nunca advogou), a promoção a maquinista e a chefe de trem, cargo que se aposentou, até 2017, quando tinha 70 anos. O pano de fundo que se sobressai, mais do que a busca do protagonista por um amor platônico, cujo desfecho, a partir dos primeiros capítulos, torna-se assaz previsível, é o dia a dia da sociedade local e uma época, que são muito bem retratados nos personagens, seus valores e ambientes que frequentavam (bares, cafés, gare, vila dos ferroviários, zona do meretrício, etc.).

Impossível dissociar Valpassos de Passo Fundo, a cidade do protagonista, e Monterrey, onde se passam alguns capítulos, de Marcelino Ramos. A cena local, do último quartel do século XX, fica muito bem evidenciada na prosa de Júlio Pacheco, apesar do caráter ficcional da obra não poder ser ignorado quando o leitor sente-se tentado materializar nomes e sobrenomes nos personagens. Benito aparenta ser uma espécie de alter ego de Júlio Pacheco, ainda que não seja possível afirmar isso. Talvez a construção do personagem tenha sido uma homenagem ao avô ferroviário, uma reverência à inteligência, ao sucesso com as mulheres, às crenças políticas mais atinadas com o social ou apenas forma de chamar a atenção para a estupidez humana ao insistir na perpetuação de valores abjetos.

Júlio Pacheco tem afinidade com a temática da obra, ainda que tenha nascido no ano que a narrativa inicia (1968). Indiscutivelmente, seja pelo que ouviu do avô ou por frequentar a vila dos ferroviários na infância, conheceu esse universo. E, como egresso da Faculdade de Direito da UPF, também pode caracterizar bem os personagens estudantes e, especialmente, professores. Idem os veículos locais de comunicação, uma vez que saiu das fileiras do Curso de Redator Auxiliar, criado pelo saudoso Professor Edy Isaías no Cecy Leite Costa, e trabalhou em rádios e jornais da cidade. Aliás, sobre o Curso de Redator Auxiliar e Edy Isaías, vale mencionar a competência dos profissionais que saíram dessa “Escola de Jornalismo”. Apenas como exemplo, atente para esses nomes: Zulmara Colussi, Acácio Silva, Carlos Alberto Fonseca, Rogério Silva, Dilerman Zanchetti, Paulo Rigon e Flávio Damiani.

As qualidades literárias de Júlio Pacheco são inegáveis. O tom local de Estação de Monterrey torna a leitura do livro prazerosa. Um pouco de sutileza na caraterização dos personagens poderia ter sido empregada. O leitor é induzido a fundir ficção e realidade em determinadas passagens. Nessa arte, Jorge Luis Borges foi magistral no conto El Aleph. Criou o esdrúxulo Carlos Argentino Daneri baseado em um amigo que não se reconheceu e, inclusive, felicitou-o pelo personagem. Não creio que isso possa acontecer com o autoritário gerente da Rádio Liberdade!

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