Quarenta e três anos, dois meses e nove dias separam dois eventos no Rio Grande do Sul que, apesar de diferentes por natureza, comungam no objetivo: discutir a utilização agrícola do solo no inverno. O primeiro foi o “Seminário sobre a utilização do solo no inverno”, promovido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e realizado em Porto Alegre, de 27 a 29 de junho de 1978. E o segundo o “Seminário Técnico Integração Lavoura-Pecuária”, uma promoção da Embrapa Trigo e do Senar-RS, que aconteceu em Passo Fundo, nos dias 6 e 7 de outubro de 2021. Em Porto Alegre, o evento foi na Faculdade de Agronomia da UFRGS, cujas fotografias do encontro, para os familiarizados com aquele ambiente, permitem identificar a antiga sala de aula conhecida por PG 2. Em Passo Fundo, o seminário aconteceu no auditório da Embrapa Trigo, com público limitado a convidados e transmissão ao vivo pelo YouTube.
O que não pode passar despercebido nesses dois eventos é o protagonismo da Embrapa Trigo, entenda-se Passo Fundo, nessa discussão histórica sobre a utilização agrícola do solo no inverno no Rio Grande do Sul. No seminário de Porto Alegre, o foco era pesquisa, sendo a palestra de abertura, “Situação atual da cultura do trigo e perspectivas futuras”, dada pelo então Chefe-Geral do Centro Nacional de Pesquisa de Trigo, Ottoni de Souza Rosa, e o relatório final traz a marca da equipe de Passo Fundo. E, em 2021, a base das discussões foi o uso de cereais de inverno na alimentação animal (pasto, silagem, pré-secado, feno ou grãos como ingrediente de rações) no sul do Brasil. Um dos sustentáculos do “Projeto Duas Safras”, que ora é liderado pelo Sistema FARSUL (Farsul, Senar-RS e Casa Rural) em parceria com a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e a Embrapa (unidades Trigo, Suínos e Aves, Clima Temperado e Pecuária Sul) e conta com o apoio de empresas e entidades do setor. Esse projeto visa ao desenvolvimento da agropecuária no Rio Grande do Sul a partir da produção agrícola em sincronia com a pecuária e, consequentemente, passa pelo melhor aproveitamento de áreas no inverno.
Que mudou, passados 43 anos, nessa discussão sobre a utilização agrícola do solo no inverno no Rio Grande do Sul? Muitas coisas. As limitações de base tecnológica de 1978 foram vencidas ou foram substancialmente atenuadas. Novas cultivares de cereais de inverno, com outro padrão de planta (ciclo e porte) e potencial de rendimento elevado, surgiram; os cereais de duplo propósito (forragem e grão) viraram realidade no campo; a tecnologia de proteção de plantas (pragas e doenças) sofreu uma revolução sem precedentes; os problemas de erosão do solo que aterrorizaram o Estado nos anos 1970 e 1980 foram em boa parte controlados pelo Sistema Plantio Direto; e a estrutura e a importância econômica do negócio agrícola assumiu outra dimensão no País. Todavia, uma coisa permaneceu inalterada desde 1978: o limitado uso agrícola do solo no inverno em comparação com o verão. A soja, que tomava conta do verão em 1978, fato que mereceu destaque no relatório do seminário de Porto Alegre, ganhou espaço ainda maior no campo nos anos 2020. E, ocupando cada vez mais áreas na metade Sul do Estado, tem levado os pecuaristas a se indagarem “para onde irão as nossas vacas e de onde virão os nossos terneiros?”. Além de, ao ganhar espaço do milho, ameaçar as plantas regionais de produção de suínos e aves, pela limitação na oferta de alimentos e pela elevação dos custos de produção.
A solução, que salta aos olhos diante da ameaça de escassez de alimentos para a produção animal no sul do Brasil, é intensificar o uso agrícola do inverno, ocupando o mesmo espaço da área ora em uso no verão (da soja, especialmente) com cereais de inverno, materializando, assim, as “Duas Safras”. Quer saber mais e como fazer isso? Assista as palestras do “Seminário Técnico Integração Lavoura-Pecuária”, que estão disponíveis no YouTube: 1º dia: https://www.youtube.com/watch?v=Z-vKP-HCYKw e 2º dia: https://www.youtube.com/watch?v=tBkpB1G8N58