Cantídio Nicolau Alves de Sousa, reconhecido, pelo trabalho que realizou com trigo, como um dos mais relevantes geneticistas brasileiros do século XX, morreu na madrugada da última quarta-feira (13/10/2021). Ele estava com 79 anos e, por razões profissionais e do coração, vivia em Passo Fundo desde o final dos anos 1960.
Cantídio era catarinense. Nasceu na ilha de Florianópolis a 27 de novembro de 1941. No rastro de conterrâneos, seguindo a sua vocação, veio estudar Agronomia na Universidade Federal de Pelotas, onde se formaria em 1964. No ano seguinte, ingressou no Instituto de Pesquisas e Experimentação Agropecuárias do Sul (IPEAS), começando, profissionalmente, a trabalhar em melhoramento genético de trigo. E, em 1968, foi transferido para a Estação Experimental de Passo Fundo, localizada na cidade que seria o seu derradeiro porto.
Quando a Embrapa foi criada, 26 de abril de 1973, Cantídio estava na Austrália, onde cumpria programa de mestrado pela Universidade de Sydney. Na volta a Passo Fundo, seria, a partir de 1º de setembro de 1975, incorporado ao quadro de empregados da Embrapa Trigo e, nele, permaneceria vinculado até a aposentadoria em 1º de junho de 2004.
Um dos traços marcantes da personalidade de Cantídio Nicolau Alves de Sousa era a humildade. Um homem discreto, tímido, de poucas falas e longos silêncios. E, não obstante, estudioso do trigo, que, sem reivindicar louros, deixou contribuição imensurável para a triticultura brasileira. Cantídio, como geneticista, destacou-se pela perseverança e habilidade para empilhar genes, visando à ampliação da tolerância/resistência aos estresses bióticos e abióticos, nos programas de melhoramento genético desse cereal no Brasil. Basta passar os olhos na lista de cultivares de trigo que ele participou da criação, que somam 35, para se ter essa certeza. Nesse rol, muitas variedades que, pelos novos padrões de porte de planta, de ciclo, de tolerância e resistência a doenças e outros estresses, marcaram época nas lavouras e abriram o caminho para a moderna triticultura que é hoje praticada no Brasil. Nomes como: IAS 54, pelo ciclo e porte; CNT 8, pela sanidade; CNT 10 e BR 23, trigos mais plantados no País nos anos 1970 e 1980; Embrapa 16 e BRS 49, pela qualidade tecnológica dos grãos; Embrapa 27, um dos trigos mais presentes na genealogia das modernas cultivares brasileiras de trigo; BRS 177, BRS 179 e BRS 194, pela sanidade geral das plantas; e BRS Umbu e BRS Figueira, as cultivares seminais do bem-sucedido programa de melhoramento genético de trigo de duplo propósito (forragem + grãos) conduzido pelo Dr. Leo Del Duca.
Em 2014, eu tive o privilégio de ser convidado para assinar o prefácio do último livro publicado pelo Dr. Cantídio: a 2ª edição da obra “Cultivares de Trigo Indicadas para Cultivo no Brasil e Instituições Criadoras 1922 a 2014”, que teve a coautoria de Eduardo Caierão. Na ocasião, escrevi: “Ainda que não seja demasiado o exagero de rotular esse livro como “o catálogo dos catálogos das cultivares brasileiras de trigo”, tampouco essa locução superlativa é suficiente para expressar a plenitude da dimensão de valor dessa obra. É mais que um catálogo, mesmo que exerça esse papel. Ao reler os originais desse livro, com a intenção de redigir as notas para o prefácio, não pude deixar de perceber que, na verdade, tinha diante dos meus olhos a mais bem contada história do melhoramento genético de trigo no Brasil.” E, nesse momento, reitero o que escrevi na ocasião.
Nas exéquias de despedida de Cantídio Nicolau Alves de Sousa, após assistir o vídeo que mostrava cenas em família e no trabalho, eu saí com a sensação que ali repousava um homem que, a seu modo, foi feliz e, conforme Aroldo Galon Linhares, amigo dele desde os tempos de faculdade, ao ter cabo a enfermidade que o acometia, finalmente, “libertou-se”. Requiescat in pace, Dr. Cantídio!
Além da esposa, Carmen, ele deixou os filhos, André e Tatiana, a nora, Milena, e os netos, Henrique e Matheus. Nossos respeitos à memória de Cantídio Nicolau Alves de Sousa.