OPINIÃO

O ouro que mata

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Ainda não despontava a década de sessenta e o cinema se apresentava como o mais impressionante veículo de comunicação. Falava-se no rádio, jornal e telégrafo. O Cine Real, na rua General Netto, defronte a praça Marechal Floriano era grande referência de lazer com sua tela maravilhosa. Nas tardes de domingo o trecho entre os cines Real e Imperial e o café Elite reunia muita gente caminhando. A petizada era maioria no alvoroço de domingo. Lembro o quanto impressionou aquela geração infante, o filme “Em cada Coração Uma Saudade”, em que o casal jovem criou oito filhos. Rompeu-se a vida de ternura entre pais e filhos ainda crianças, com a morte do casal, acometido pela pandemia nos EUA. Na saída do cinema, meninos, meninas e também os adultos da sessão vespertina não escondiam as lágrimas de comoção com a dispersão das crianças órfãs. Cada uma morando abrigadas em lares diferentes. Simultaneamente surgiu nas telas a forte produção “Ouro Maldito”. Comentávamos o enredo da peça cinematográfica que mostrava o destino trágico do protagonista que aderiu a uma vida de perversidades, traindo amigos e família, para ficar com uma mala de ouro. A imaginação de pré-adolescente ficava muito intrigada com a maldade, apenas para ficar com o ouro. Obviamente não sabíamos nada sobre a avidez dos adultos pelo dinheiro.

Certamente ainda paira na comunidade indígena Yanomamis a incompreensível ação dos garimpeiros em extermínio no Rio Tapajós. A omissão do governo diante da ação agressiva do garimpo ilegal significa destruição de vidas, do rio, das margens e dos peixes. As balsas conduzem equipamentos que sugam o leito do rio e despejam desejos de contaminação. O rio Tapajós, fonte de vida, comida e água saudável para ribeirinhos sofre o lançamento de onze milhões de toneladas com contaminação por metais pesados usados na extração do ouro. O veneno nas águas já matou mais de duzentas pessoas no período recente.

 

Sem água

A agressão dos dejetos lançados pelas dragas na busca do ouro prejudica o turismo e a própria navegação. É causa do desemprego no setor, pelo envenenamento das águas e assoreamento no leito do rio. Morrem os peixes e a água potável afeta a subsistência de comunidades. Embora a oposição muito estranha de comandos políticos, a Fundação Fiocruz avaliou o altíssimo grau de destruição que atinge a saúde pública, prejudicando a vida de famílias que se dedicam e se mantém na pesca e produção extrativista.

 

Fome do ouro

Hoje o crime ambiental praticado na busca desenfreada pelo ouro ataca por terra e por mar. Cada vez mais os casos de atentados com armas de fogo expulsam índios, caboclos, quilombolas. Ainda hoje queimam escolas, moradias, embarcações de pesca artesanal de sustentação. As comunidades ribeirinhas, especialmente índios, não contaram com o socorro contra o extermínio da população e meio ambiente. O crime de contrabando, sonegação fiscal, parece não ter impressionado o ministro do Meio Ambiente, recentemente demitido, após transferir o delegado Saraiva, que foi destituído do cargo por investigar crime de contrabando ou roubo de madeira. Ainda esperamos que o general Mourão consiga manter a força de segurança nacional para combater a destruição dos rios e matas. É por isso que ousamos relembrar Virgílio que bradou aos romanos: “quid non mortalia pectora cogis, auri sacra fames?”(a que não constranges os corações humanos, ó maldita fome de ouro). Então, não sabemos até que ponto o crime pode chegar com os capachos no poder. Resta-nos, vigiar e orar!

 

Desmonte

A Ordem dos Advogados do Brasil está questionando no Supremo Tribunal Federal, as políticas rasteiras que ofendem o reconhecimento cultural. Esse apagamento cultural se tem movido sub-repticiamente por agentes nomeados em comissão excluindo nomes consagrados historicamente no projeto Palmares. O despropositado atinge a cultura e a própria crítica cultural. A Fundação Casa de Rui Barbosa está esquecida. Hitler já dizia que para eliminar de vez a raiz de um povo, é preciso sequestrar-lhe a cultura e arte e toda a memória! E foi assim que perseguiu artistas e queimou livros na sua sandice nazista.

 

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