Minhas dúvidas (que não são poucas) hão ditado o livro “Ah! Essa estranha instituição chamada ciência: Borgelatria e outros ensaios”. Admito que, apesar de passados 43 anos (desde 23 de setembro de 1978, a data do meu ingresso como estagiário na antiga Seção de Ecologia Agrícola do Instituto de Pesquisas Agronômicas (IPAGRO), até os dias atuais, na função de pesquisador da Embrapa Trigo), não me sinto confortável para responder de chofre a perguntas aparentemente simples: que é ciência? que caracteriza a atividade científica? e para que serve a ciência?
Ao leitor mais atento, não há de passar despercebida a influência explícita no título desse livro da famosa entrevista que Jacques Derrida (1930-2004) concedeu, em abril de 1989, a Derek Attridge. Originalmente publicada em inglês na coletânea de textos de Derrida, organizada por Attridge, Acts of Literature, sob o título This Strange Institution Called Literature, essa entrevista ganharia versão em francês em 2009 e em português em 2014 (pela Editora da UFMG, tradução de Marileide Dias Esqueda a partir da versão inglesa e cotejo com a versão francesa por Evando Nascimento): Essa estranha instituição chamada literatura: uma entrevista com Jacques Derrida.
Mas, que teriam em comum ciência e literatura? Seria, no caso desse livro, uma apropriação (quase) indébita de um título de Derrida? Vejamos: assim, como insiste Derrida, que não há nenhum texto que, por si próprio, possa ser considerado literário (uma vez que literatura é o que deriva de convenções e intenções por parte de quem escreve e, como tais, são reconhecidas e aceitas por quem lê), eu creio que essa assertiva também é válida para a ciência.
Derrida resumiu literatura como uma estranha instituição que permite “dizer tudo” e, por analogia, há quem julgue que a ciência é uma estranha instituição que permite “fazer tudo”. Mas, apesar de tentador, esse “dizer tudo” da literatura não pode ser confundido com “dizer qualquer coisa”, assim como o “fazer tudo” da ciência também não é “fazer qualquer coisa”. Eis porque, assim eu entendo, não é tão simples quanto aparenta dar a rotulagem de científica a uma criação humana qualquer.
A busca do entendimento do que “é ciência” e do que “não é ciência” dá sustentação especial à primeira parte do livro. Depois, na sequência, encontram-se textos dedicados a Jorge Luis Borges, um dos escritores canônicos mais lidos e citados pela comunidade científica mundial. E, fechando a obra, ensaios diversificados que, sem outras pretensões, buscam unir literatura e ciência no trato de questões afetas à humanidade, como bem exemplificam os textos dedicados à pandemia da Covid-19.
Eis que, por temática e estilo, à primeira vista este livro pode parecer uma espécie de dèjá vu de livros anteriores que publiquei: Cientistas no divã (2007); Galileu é meu pesadelo (2009); e A ciência como ela é...(2011). Eu diria que, em tese, sim, mas que são obras complementares e independentes. E, mais uma vez, reitero que não me alvoroço em reivindicação de originalidade. Em quase todos os ensaios/crônicas, com base no meu “direito de leitor”, usei ideias alheias, sempre que possível dando o devido crédito, e espalhei, acredito, pitadas de criatividade que, de tão dispersas e raras, talvez nem eu mesmo consiga identificar, embora, no primeiro momento, tivesse julgado serem as minhas melhores palavras e os meus melhores pensamentos. Que encontrem eco nos melhores leitores!
O que mais me atormenta é imaginar que, depois de lidas as 520 páginas desse livro, alguém ainda não consiga diferenciar o que “é ciência” do que “não é ciência”, ou que, ao se ver desprovido de suas certezas, sinta-se mais confuso do que antes. Oxalá isso não aconteça!
O livro “Ah! Essa estranha instituição chamada ciência: Borgelatria e outros ensaios” é uma seleção de ensaios e crônicas, cujos textos, escritos nos últimos 10 anos, foram revistos e ampliados, e está disponível nas lojas da Livraria Delta (Centro e Passo Fundo Shopping) ou pelo site: https://www.livrariadelta.com.br/