Um ano difícil, seguido de outro ano mais difícil ainda. Eis uma boa síntese, em escala global, para os anos de 2020, o marco da deflagração da pandemia da Covid-19, e de 2021, o auge da crise e da renovação de esperanças pelas campanhas de vacinação que ora estão sendo postas em prática no mundo. E para 2022, que nos reserva o futuro? Tempos melhores?
São tempos de incertezas e de uma “quase certeza”, conforme a maioria das análises que ora tem vindo a público: a pressão inflacionária sobre o preço dos alimentos deve continuar. Tome-se como referência o recente panorama “Outlook 2022: Hell in the Handbasket”, liberado pelo Rabobank, uma instituição financeira holandesa, especializada nos setores agrícola e produção de alimentos, para que algumas dúvidas sobre o que nos espera em 2022 possam ser dirimidas. Em tradução livre, em vez de “Inferno na cesta de mão”, eu optei, pela mera questão de familiaridade dos brasileiros, por “Inferno no carrinho do supermercado”, que, acredito, seja onde muitos estão tomando consciência do que significa inflação (além da hora de abastecer o tanque de combustível do automóvel).
São diversos os fatores, em escala global, que estão pressionando os preços dos alimentos a partir das commodities agrícolas. Incluam-se: inflação geral dos preços (não é um privilégio exclusivo do Brasil, frise-se), elevação dos custos de transporte, maiores gastos com energia, custos de produção mais elevados pela alta dos fertilizantes e dos produtos usados na proteção de plantas (combate a doenças, pragas e plantas daninhas, especialmente), que somados a estoques de passagem relativamente baixos, escassez de mão de obra e aquecimento de demanda em alguns segmentos dão o caldo perfeito para a volatilidade e a elevação dos preços que, uma vez transmitidos ao longo da cadeia de abastecimento, serão pagos pelo consumidor nas gôndolas dos supermercados.
Em meio à pandemia da Covid-19, sob a alegação de evitar o risco de desabastecimento e de elevação excessiva dos preços internos, algumas nações têm sobretaxado as exportações de commodities agrícolas (já faziam antes, caso da Argentina), pressionando, adicionalmente, pela menor oferta externa, os preços dos alimentos nos países importadores. Algo que, segundo o relatório do Rabobank, pode continuar sendo praticado em 2022. E, some-se a tendência de manutenção da alta do dólar, com reflexos, especialmente, no seguimento de alimentos que depende de importação de insumos, para se vislumbrar impactos negativos no bolso do consumidor. Uma vez que, e isso não pode ser ignorado, nas economias abertas, os preços praticados internacionalmente acabam sendo internalizados nacionalmente e sob a égide de uma moeda desvalorizada (real frente ao dólar americano) a tendência de alta de preços, mesmo de produtos que são produzidos no País, é esperável. O caso mais notório é o preço que pagamos internamente pelos combustíveis, que oscilam conforme a variação internacional do preço do petróleo, não obstante sermos produtores de petróleo.
E o Brasil, sendo um grande exportador de commodities agrícolas então deve se beneficiar dessa elevação dos preços internacionais dos produtos e da desvalorização do real frente ao dólar em 2022? Em parte, sim. E, em parte, não. Em tese, pela participação do agronegócio no PIB do Brasil (26,6%, em 2020), muito provavelmente, mais sim do que não. Afinal, serão mais divisas externas que entrarão no País e maior a movimentação da economia interna. Por outro lado, como tomadores de preços do mercado internacional, não será surpresa caso os preços dos alimentos continuem em elevação internamente. Uma possível queda de preços, nesse cenário, poderia advir de algo que não é bom: o represamento do consumo por limitação de renda e de acesso aos bens.
Em síntese, para 2022, diante da elevação de custos de produção, ameaças de adversidades climáticas na agricultura (La Niña no sul do Brasil e na Argentina) e a onipresença da Covid-19 e suas variantes, o “cheiro de enxofre” no carrinho do supermercado pode ser pressentido.