Imagine-se embarcando, na ficção de Ray Bradbury (1920-2012), para um safári no tempo. Que tal retroceder 60 milhões de anos e ter a satisfação (ecologicamente incorreta, frise-se) de poder abater um Tyrannosaurus rex? Pois foi o que fez Eckels, personagem de Bradbury, no conto Um som de trovão (A sound of thunder, 1952), sem saber que, na hora derradeira, hesitaria. E que, após desistir da empreitada e retornar para a máquina do tempo, inadvertidamente sairia do caminho permitido e, por ter pisado em uma borboleta, seria o responsável por mudanças inimagináveis no presente, inclusive no resultado de uma eleição que teria acontecido na véspera da sua partida.
Um erro mínimo, como matar uma borboleta, ao perturbar estados de equilíbrio estabelecidos ao longo de 60 milhões de anos, como bem ilustrado pela ficção de Bradbury, pode trazer resultados imprevisíveis no futuro. Algo assim, casualmente (ou nem tanto), teria levado Edward Lorenz, no começo dos anos 1960, à descoberta do caos determinista, que revolucionaria as previsões meteorológicas e de resto a nossa visão cientifica de universo.
Edward Norton Lorenz (1917-2008) passou a maior parte da vida na Nova Inglaterra, EUA. Estudou matemática na Universidade de Darthmouth, fez mestrado em Harvard (1940), serviu como meteorologista do Corpo Aéreo do Exército Americano (1942-1946) e concluiu doutorado em meteorologia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em 1948. Nessa instituição, viria a ser professor emérito, em 1987, e permaneceria vinculado até o fim da vida. Mas foi como professor visitante na UCLA, nos anos 1950, onde iniciou um programa de previsão numérica do tempo por meio de computadores eletrônicos, que Lorenz fez a sua descoberta seminal.
Depois de rodar o modelo computadorizado que ele havia escrito para a solução de equações meteorológicas, Lorenz decidiu repetir uma dessas simulações. Mas, em vez de reutilizar os dados iniciais da primeira rodada, ele digitou, reza a lenda que sem querer, os mesmos dados, porém arredondados, porque o computador manipulava algarismos com seis casas decimais, mas os imprimia com apenas três. Depois de uma pausa para um café, quando voltou, Lorenz foi surpreendido por resultados muito diferentes dos obtidos na primeira simulação. Havia ocorrido algum problema no computador? Ele, dono de uma mente privilegiada, logo percebeu que a causa não podia ser atribuída a erro da máquina, mas à modificação das variáveis usadas como condições iniciais. Apesar das diferenças “insignificantes” nos dados, elas eram as responsáveis pela discrepância dos resultados. Na prática, ele havia demonstrado o que, hoje, se conhece por caos determinista, cuja peça central é a entidade matemática “atrator estranho”, descrita pela geometria fractal.
A descoberta de Edward Lorenz foi, originalmente, publicada em 1963 (J. Atmos. Sci., v.20, n.2, p.130-141), e popularizar-se-ia como efeito borboleta. Mas, nesse mesmo ano, numa conferência em Nova York, não foram borboletas e sim gaivotas que Lorenz utilizou na sua fala: “(...) se a teoria estiver correta, o bater das asas de uma gaivota poderia mudar o curso da meteorologia para sempre." E também, dizem, não foi pela analogia com a metáfora perfeita dada pelo enredo do conto de Ray Bradbury, que se deu essa popularização.
No livro A essência do caos (The essence of chaos), de 1993, Edward Lorenz explica que a denominação “Efeito Borboleta” ganhou força a partir de 1972. Ele fora convidado como conferencista de um encontro anual da Associação Americana para o Avanço da Ciência (a AAAS, que publica a revista Science), em Washington, D.C., em dezembro daquele ano. E que foi o meteorologista Philip Merilees, o moderador da seção quem, por conta própria, ao não conseguir contato com ele, deu o título definitivo para a conferência: Pode o bater das asas de uma borboleta no Brasil desencadear um tornado no Texas? (Does the flap of a butterfly’s wings in Brazil set off a tornado in Texas?). O resto é lenda!
Post scriptum: coluna originalmente publicada em 2/10/2020