OPINIÃO

E Deus “repousou da obra que fizera” (Gn 2, 2)

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Para a maioria das pessoas, este período do ano, é tempo de férias. Planeja-se como descansar fazendo projetos, propondo encontros, viagens. Em muitos casos o tempo de férias é tão repleto de compromissos que se torna difícil, a olho nu, distinguir da rotina de trabalho. Já se escuta dizer que é “preciso tirar férias no final das férias”. 

Pedro Valinho Gomes, investigador na área da teologia e filosofia, publicou um artigo no jornal a “Voz de Fátima”, de Portugal, no dia 13 de julho de 2021, abordando o tema do descanso. Como o artigo é muito bem elaborado, simplesmente, transcrevo as reflexões de Pedro Valinho Gomes.

“Poucas coisas são tão difíceis como a simples arte de fazer nada. É talvez por esta minha inaptidão para o descanso que recordo frequentemente uma prece do livro de oração da Igreja Anglicana – The book of common prayer – que reza assim: “Eis mais um dia, Senhor. Não sei o que ele me trará, mas que eu esteja, Senhor, preparado para o que quer que seja. Se devo levantar-me, que me levante com coragem. Se devo ficar quieto, ajuda-me a estar pacificado. Se devo deitar-me, ajuda-me a fazê-lo com paciência. E se devo fazer nada, ajuda-me a fazê-lo com elegância. Faz destas palavras mais do que palavras e dá-me o Espírito de Jesus. Amém”.

Fazer nada com elegância é o tipo de descanso a que Deus convida. É ele quem dá o exemplo, no final do trabalho árduo da criação. Os primeiros capítulos do Gênesis são de uma candura comovedora. Deus estafou-se a criar o mundo e, terminada a tarefa, deixou-se cair no sofá a contemplar e a bendizer. Já o tinha feito no final de cada dia de criação, como que a dar tempo à relação desprendida com as suas criaturas. Mas precisa de um dia de descanso para fazer nada com elegância. O sétimo dia é um tempo cheio de nada, em que o outro ganha espaço no coração de Deus. Deus descansa na sua criação contemplando e bendizendo. É isso o descanso: contemplar e bendizer. Deus é mestre em fazer nada de forma elegante.

O livro do Gênesis não nos diz o que fazia a humanidade, recém-criada um dia antes, enquanto Deus descansava, mas estou em crer que já atrapalhava com esquemas e projetos e uma agenda cheia de coisas absolutamente inadiáveis (como, por exemplo, comer daquele fruto tentador da árvore no meio do jardim). Só assim se justifica que o Deus de Israel decida fazer do descanso um mandamento. Que o descanso nos seja mandado é sinal de que precisamos aprender como se faz. Vou-me convencendo de que a minha agenda de férias nem sempre tem muito do sofá em que Deus contempla e bendiz. Talvez precise de deixar o outro ganhar espaço no meu coração e de descansar aí como quem encontrou a sua casa.

Thomas Merton toca a ferida da minha mania de atrapalhar: “Alguns de nós precisam de descobrir que não começaremos a viver mais plenamente até termos a coragem de fazer e ver e provar e experimentar muito menos do que o habitual. E para um homem que se deixou arrastar completamente pela sua atividade, nada é mais difícil do que ficar parado e descansar, sem fazer absolutamente nada. O próprio ato de descansar é o mais difícil e mais corajoso que ele pode realizar”. 

Neste sétimo dia que me é dado, tentarei não atrapalhar. Vou pedir a graça de fazer nada de forma elegante”.

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