OPINIÃO

O segredo de Linha Segredo – Parte 1

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Não é no clichê autoajuda do livro “O Segredo”, da escritora australiana Rhonda Byrne, que, apesar do sucesso de vendas alcançado limita-se a reprisar o “poder do pensamento positivo”, você vai descobrir “o segredo de Linha Segredo”, mas na obra “Crônicas - A infância e a juventude de uma pessoa ambiciosa”.

Ironi Gozzi de Andrade, o professor de escol, durante o enclausuramento forçado pela pandemia da Covid-19, resolveu escrever a sua biografia no formato de crônicas. O resultado foi o livro, cujo título está referido no final do primeiro parágrafo dessa coluna, lançado, quase no apagar das luzes de 2021, pela Editora Viseu, de Maringá, PR.

São as reminiscências de um homem, prestes a se tornar septuagenário, sobre a infância e a juventude vivida em Linha Segredo, onde nasceu, no interior do então primeiro distrito de Encantado, cuja sede era Figueira ou Alta Figueira, que, após a emancipação, em 1959, viria a se constituir no município de Arvorezinha. A vida no pacato local, para alguém nascido no seio de uma família de 12 irmãos, limitava-se ao trabalho, às lides com a terra, ao trato dos animais e a ajudar o pai carreteiro no transporte de mercadorias (exercendo a função de “brequeiro”, a quem cabia acionar os freios da carreta e evitar a disparada do veículo nas ladeiras íngremes das estradas da região), nas brincadeiras do interior e na prazerosa tarefa de estudar na escola da localidade, onde, por falta de opção, até os 13 anos de idade, cursaria duas vezes o primário. Faltavam recursos materiais (energia elétrica, acesso à saúde e a bens culturais) e sobrava fraternidade em Linha Segredo. Dos 13 os 17 anos de idade, o mirrado menino Ironi, apelidado de Pinguinho, somente trabalhou, apesar de nunca ter desistindo do sonho de um dia voltar a estudar. A ânsia por cultura era tamanha que o que mais aprazia ao Pinguinho era quando o bodegueiro da Figueira enrolava as mercadorias, que fora encarregado pelo pai de buscar, em folhas de jornais, que as guardava com esmero, para ele e os irmãos terem alguma coisa para ler. A vida na Linha Segredo, tal qual descrita pelas lembranças de Ironi Andrade, não destoa em nada do interior do Brasil, nos anos 1950 e 1960. Não era uma exceção, pois essa era a regra no meio rural.

Foi graças ao seu empenho em falar melhor (menos errado que a maioria do local, mas mesmo assim ainda muito mal) que, sob o estímulo do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Arvorezinha, acabaria prestando exame para a Escola Normal Rural Estrela da Manhã, localizada no município de Estrela. Outra luta a ser travada: conseguir a aprovação da família. E, pior, lograr a aprovação no exame de admissão, onde 450 candidatos disputariam 45 vagas. Entre os 27 de Arvorezinha que foram realizar a prova, Ironi Andrade foi o único aprovado. Estudou, para tal, pelo livro “Programa de Admissão”, editado pela Companhia Editora Nacional, onde perfilam as lições de mestres como Aroldo de Azevedo, Domingos Paschoal Cegalla, Joaquim Silva e Osvaldo Sangiori.

A Escola Normal Rural Estrela da Manhã, fundada e mantida pela Arquidiocese de Porto Alegre, em 1956, visava à formação de professores e líderes comunitários para o meio rural. Internato masculino, onde primava a disciplina e os valores religiosos, além de esmerada formação na área pedagógica (contava com uma Escola Primária de Aplicação). Ironi Andrade encontrou muita dificuldade no início do curso, estando prestes a ser desligado por insuficiência de notas. Aproveitou a chance, pois a alternativa era “voltar ao Segredo para plantar batatas”. Leu o primeiro livro da vida, “Meu Pé de Laranja Lima”, de José Mauro de Vasconcelos, e corrigiu, pela repetição, a pronúncia errada dos vocábulos, adquirida no interior, e, quando chegou dezembro de 1968, teve a sua permanência no curso assegurada.

Ironi Andrade concluiu a formação do Ginásio Normal, habilitação como professor-técnico agrícola, em 1971, mesmo ano que a reforma do ensino, pela Lei 6592/71, não mais reconheceu o título de professor rural no ensino de 1º Grau. (....) Continua na próxima sexta-feira.


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