Quando o jornal Zero Hora, edição de 20 de janeiro de 2022, na coluna Informe Especial, assinada pela jornalista Juliana Bublitz, anunciou a descoberta de um poema inédito de Mario Quintana; a primeira coisa que me veio à cabeça foi uma conversa que havia tido, anos atrás, com o colega de trabalho Jorge Alberto Gouvêa.
A conversa em questão foi, final de tarde ou início de noite, na mesa de um bar, em Barão Geraldo, nas cercanias da Unicamp, em Campinas, SP. Em meio às amenidades literárias que permeavam as falas, ele me confidenciou que o seu pai, nos anos 1980, recebeu uma carta do poeta Mario Quintana, em cujo interior havia um poema manuscrito e dedicado a ele. E que esse poema, embora ele não lembrasse qual era o conteúdo, estava guardado no meio dos documentos deixados pelo pai, que tinha falecido no ano 2000.
De tempos em tempos eu me lembrava do assunto e cobrava o Jorge Gouvêa para achar o poema do Quintana. Não foi outra coisa que fiz nessa quinta-feira, assim que li a coluna da Juliana Bublitz. Liguei para ele, cedo da manhã, e disse: - encontra o poema do Quintana. E a resposta, para a minha quase incredulidade: - já encontrei, faz tempo. Está comigo.
Mas, voltando à descoberta de Porto Alegre: a informação, vinda da Associação de Amigos da Biblioteca Pública do Estado, noticiava, em primeira mão, que o livreiro George Augusto, ao analisar acervo comprado de uma importante família gaúcha, havia encontrado, dentro de um livro do próprio Quintana, uma folha de papel amarelada, que continha, redigido à mão, um poema do escritor gaúcho que foi considerado, até então, inédito. A letra foi periciada e a autoria confirmada.
O poema de Porto Alegre, datado de 1º de janeiro de 1941, tem o título “Canção do Primeiro Ano” e os versos iniciais: “Pelas estradas antigas / As horas vêm a cantar / As horas são raparigas / Entram na praça a dançar (...)”. Uma versão fac-símile do original pode ser contemplada na coluna da Juliana Bublitz em GZH.
Afinal, qual foi o poema que Mario Quintana enviou para Passo Fundo e por que fez isso? Deve estar se perguntando o impaciente leitor. Finalmente, na sexta-feira à noite (21/01/2022), eu tive acesso ao aludido poema do Quintana. A primeira surpresa: a similaridade da letra e da forma ao grafar o título, caixa alta e sublinhado, e a mesma assinatura, também sublinhada, tal qual o poema encontrado em Porto Alegre. Vide:
Compare com Imagem 01. Mas, quanto ao poema de Passo Fundo, não foi necessário muito esforço para identificar que aqueles eram versos bem conhecidos. O manuscrito de Passo Fundo é o original do poema “Recordo Ainda”, publicado no livro A Rua dos Cataventos, de 1940, considerado um dos livros mais belos da poesia brasileira, e dedicado a Dyonelio Machado (aparece no livro e não no manuscrito): “Recordo ainda… e nada mais me importa… / Aqueles dias de uma luz tão mansa / Que me deixavam, sempre, de lembrança, / Algum brinquedo novo à minha porta…(...); e finaliza com: Eu quero os meus brinquedos novamente! / Sou um pobre menino… acreditai… / Que envelheceu, um dia, de repente!”.
O detalhe, que chama à atenção e aparece no lado inferior esquerdo do manuscrito do poema “Recordo Ainda”, é a dedicatória aposta pelo poeta: “Para Jorge Alberto - O Betinho – meu tempo – esta lembrança do amigo velho Mario Quintana (aproveitou a assinatura do original), Porto Alegre, Natal de 1988”. O Betinho em questão era Jorge Alberto Brandão de Gouvêa, filho de Sérgio de Gouvêa, jornalista da área cultural do Correio do Povo. Sérgio e Mário, além de colegas no Correio do Povo, eram amigos. E Jorge Alberto, o Betinho, durante a infância e a adolescência, havia convivido com Mario Quintana.
Evidente que cabem indagações: 1) Teria o poeta o hábito de presentear pessoas queridas com os originais dos seus poemas?; 2) Ele fazia mais de uma cópia manuscrita do mesmo poema?; 3) Como o poema “Canção do Primeiro Ano” foi parar dentro do livro achado em Porto Alegre? Algum membro da importante família gaúcha, citada pelo livreiro George Agusto, pode dar uma pista.; 4) O poema de Porto Alegre seria inédito mesmo?; e 5) Não teria sido publicado em algum jornal ou revista não disponível no universo digital?
Sim, devemos comemorar, e muito, esses achados, tanto o de Porto Alegre, pelo ineditismo, quanto o de Passo Fundo, pela originalidade da dedicatória. Viva Mario Quintana!
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