OPINIÃO

O aquecimento medieval

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Hubert Lamb foi, na essência da palavra, um autêntico detetive meteorológico. Graças ao trabalho deste cientista britânico, que veio a público nas décadas de 1950 e 1960, reunindo dados geológicos dispersos e registros históricos de fontes diversas, conseguiu-se, com base em inferências bem fundamentadas, a reconstrução de, pelo menos, dois mil anos de história do clima mundial. Ressalte-se que Lamb trabalhou em uma época que a paleoclimatologia (estudo dos climas de antigos períodos geológicos) estava em seus primórdios. As bases da dendrologia (estudo de séries de anéis de troncos de árvores antigas) e o testemunho da composição do ar aprisionado em geleiras e a análise das camadas de corais, que viriam permitir uma melhor elucidação da atmosfera do passado, ainda não eram práticas correntes. Não obstante, ele identificou um momento em que o clima terrestre foi significativamente mais quente (ainda que não tanto quanto na atualidade), começando no ano 800 e se estendendo até o ano 1300. A esses cinco séculos da história, Hubert Lamb chamou de Período de Aquecimento Medieval, também conhecido como Anomalia Climática Medieval ou Séculos de Aquecimento, dependendo das circunstâncias e do contexto em que são referidos.

Na Europa, durante o Período de Aquecimento Medieval, as colheitas agrícolas foram maiores e mais estáveis, a população cresceu, o comércio explodiu, surgiu a pesca em águas profundas, o desmatamento foi acelerado e virou moda a construção de grandes catedrais (Notre Dame de Chartres, por exemplo). Há que se destacar ainda o intercâmbio entre sociedades radicalmente diferentes, separadas por imensas distâncias, caso dos escandinavos que, aproveitando as condições ambientais favoráveis, chegaram até a América do Norte.

É evidente que o clima não foi o único responsável por todas as mudanças econômicas, políticas e sociais que ocorreram na alta Idade Média. Esse tipo de determinismo ambiental, que atribui ao clima a responsabilidade pelos principais acontecimentos da história, foi desacreditado há quase um século. Todavia, não se pode ignorar os efeitos indiretos do clima e as consequências sutis que se espalharam pela sociedade da época. No rastro do Aquecimento Medieval, foram desenvolvidas novas estratégias para armazenamento de água, buscou-se o plantio de cereais mais resistentes à seca, bem como surgiram as chamadas organizações secretas, que recolhiam informações para prever chuvas. De fato, o Aquecimento Medieval (que não ocorreu em toda parte) foi tanto um herói quanto um vilão climático. Paralelamente ao esplendor verificado na Europa ocidental, houve secas que trouxeram fome e miséria em várias partes do mundo.

No ambiente hostil das estepes da Eurásia, na época do Aquecimento Medieval, mais do que nunca, sujeito ao frio implacável, à seca, ao calor infernal e as chuvas torrenciais, forjou-se a saga dos grandes conquistadores mongóis, acima de tudo, impulsionados pela realidade do clima. Ginghis (Gêngis) Khan, cujo império expandiu-se rapidamente, foi o expoente maior. Era um guerreiro brutal, tinha sede de sangue, destacava-se pela crueldade, dirigindo-se aos cidadãos aterrorizados dos territórios que conquistava como sendo uma punição de Deus (a exemplo das secas e das pragas). Ele se rotulava um instrumento da vingança divina para a redenção dos pecados. Pouco antes de morrer, em1227, Gêngis Khan disse aos filhos: “Com a ajuda das forças divinas eu conquistei para vocês um grande império. Mas a minha vida é muito breve para conquistar o mundo. Deixo essa tarefa para vocês”. No entanto, mesmo que algumas conquistas mongóis continuassem após a morte de Gêngis Khan, elas não se perpetuaram quando o Período de Aquecimento Medieval deu lugar a seis séculos de clima altamente inconstante e condições frias: A Pequena Idade do Gelo, que impôs limitações aos cavalos dos exércitos bárbaros (cuja agilidade conferia especial vantagem comparativa frente aos cavaleiros europeus de armaduras pesadas).

Coluna originalmente publicada em 07/05/2009.



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