OPINIÃO

A tragédia do clima no Rio de Janeiro - 2

Por
· 3 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Em 20 de janeiro de 2011, na página 12 de O NACIONAL, no auge daquela que é considerada por muitos “a maior catástrofe climática do País”, eu escrevi, sob o título “A tragédia do clima no Rio de Janeiro”, que, desastre após desastre, eventos climáticos extremos como aqueles presenciados na região serrana do Estado do Rio de Janeiro, que deixou 918 mortos e prejuízos materiais de monta elevada, parecem repetição de uma velha lição, tantas vezes ministrada, porém não assimilada. E mencionei uma série de eventos, envolvendo chuvas intensas, alagamentos e deslizamento de encostas, que, ao seu tempo, também tiveram grande repercussão midiática, dando a impressão que a natureza, na sua manifestação excepcional, pelo menos alguma coisa queira nos ensinar.

Não há como os eventos extremos de tempo e clima, a exemplo dos acontecidos nesse começo de 2022, passarem despercebidos pela sociedade civil, que, apesar de impotente e fragilizada, deveria reivindicar que os governantes, lançando mão de recursos públicos e do que há de melhor em ciência e tecnologia, lhes garantam proteção. São nessas ocasiões que surgem campanhas bem-intencionadas de arrecadação de dinheiro e donativos para ajudar os atingidos, que, como já tivemos oportunidade de assistir em horário nobre de televisão, podem ter parte surrupiada por espertalhões de plantão, e vemos, brotando do nada, indivíduos travestidos de empreendedores que, sob a égide da bandeira de recuperação das áreas atingidas, não vêm mais nessas tragédias que novas oportunidades de negócios, inclusive facilitadas, legalmente, pelo senso de urgência e excepcionalidade da situação. Também não faltam prefeitos e outras autoridades, com planos e orçamentos encomendados às pressas, reivindicando aos governantes, estaduais e federais (quase sempre aos últimos), quantias vultosas de recursos sob a promessa de aliviar a situação e resolver em definitivo as causas do problema. Em meio ao caos, adicionalmente, cientistas e diretores de institutos de ciência e tecnologia também aproveitam a ocasião para justificar a inoperância das organizações pela falta de verba para a aquisição de equipamentos (supercomputadores, radares meteorológicos, sistemas automáticos de aquisição de dados, etc.), melhoria de instalações e, invariavelmente, contratação de pessoal especializado, e, quando não, sugerindo a criação de novos órgãos para o desempenho de funções de sistemas de alerta e de defesa civil.

O surrado script, tal qual um mantra sagrado, é repetido a cada nova calamidade climática, sem que, no entanto, a verdadeira causa dessas tragédias seja, de fato, considerada e atacada. E qual é essa causa? Só não percebe quem não quer, que, por trás dos dramas vividos pelos atingidos, reprisados à exaustão nos veículos de comunicação, estão, cada qual com sua parcela de culpa, principalmente, a vulnerabilidade econômica que predispõe muitos a viverem sob condições de extrema pobreza, a sanha pelo lucro fácil de especuladores imobiliários e autoridades públicas inoperantes, por omissão ou por incapacidade de fazer frente, com os recursos que dispõem, à dimensão do problema de desigualdade social que se apresenta ou a necessidade de construção de obras estruturantes.

O aumento da população e a expansão desordenada de comunidades para áreas mais vulneráveis às flutuações climáticas extremas exigem uma nova postura da sociedade. Postura essa que combine o banimento da pobreza extrema da face da Terra, a responsabilização individual pelos danos à vida e à propriedade, em casos de desobediência aos ordenamentos territoriais e dos padrões mínimos de segurança das construções, competindo às autoridades públicas zelarem pela não ocupação irregular em áreas de risco e o desempenho efetivo daquilo que se entende por funções do Estado. Enquanto vivermos em conivência com desigualdades sociais que afrontam a dignidade humana é mais fácil (e mais cômodo) sempre culpar as autoridades. Ou nos resignarmos: Deus quis assim! Ou Petrópolis será apenas mais um dèjá vu do clima.

PROMOÇÃO DO COLUNISTA: O livro “Ah! Essa estranha instituição chamada ciência” está disponível em versão Kindle na Amazon:

https://www.amazon.com.br/dp/B09Q25Q8H8/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=JG0A69JMZ2UF&keywords=Ah%21+Essa+estranha+institui%C3%A7%C3%A3o+chamada+ci%C3%AAncia&qid=1641743290&s=digital-

Gostou? Compartilhe