A liturgia dominical, conduzida pelos textos bíblicos - 1 Samuel 26, 2-23, salmo 103, 1 Coríntios 15,45-49 e Lucas 6,27-38 – são um longo e ininterrupto canto de justiça, amor e de perdão que se orienta em direção da fronteira mais difícil de superar, aquela de amar os inimigos. O salmista canta que Deus “não nos trata como exigem nossas faltas, nem nos pune em proporção às nossas culpas”.
O evangelho propõe dois centros sobre os quais gira o ensinamento de Jesus. O primeiro ensina: “O que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”. É um princípio ético comum e racional. É o princípio da Lei Natural de fazer o bem e de evitar o mal. Os direitos sobre os outros são transformados em deveres sobre os outros. Todos são sensíveis aos próprios direitos, mas a sensibilidade aos deveres nem sempre é proporcional. É uma mudança grande. É a passagem do egoísmo ao amor.
Jesus estende este princípio ao limite humano, até aos inimigos. “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, e rezai por aqueles que vos caluniam”. Por que Jesus propõe um amor que excede as capacidades humanas? Jesus sabe que o ser humano é capaz de grandes ideais e por isso propõe algo grande. A proposta de Jesus também é realista, pois considera que no mundo existe demasiada violência, demasiado cultivo do ódio, de desejo de vingança, de calúnias. É uma proposta clara de não-violência, de não se entregar ao mal; mas de responder ao mal com o bem, quebrando dessa forma a corrente da violência, das agressões e das maledicências.
O segundo centro apresenta outra medida que somente é compreensível para os discípulos de Jesus. “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso”. O modelo agora é infinito, é o amor de Deus. “Eu vos dou um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (João 13,34). Não é mais o homem que é a medida das ações. Mesmo o ser humano mais correto e ético vacila diante dos inimigos e de quem lhe faz o mal. O parâmetro agora passa a ser o amor misericordioso que supera a justiça.
Agora, o fundamento da ética cristã é “ser como Deus”. São as palavras e atitudes de Jesus que se tornaram a medida, a referência e o princípio máximo. Nesta proposta de amar, fazer o bem, abençoar e rezar está inclusa a parte humana, isto é, “o que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”. Mas, nem todas as situações humanas são possíveis de resolver com este critério, por isso Jesus propôs: “Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso”.
Jesus cita dois exemplos onde a medida humana e divina é bem distinta: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai, e sereis perdoados”. É possível um julgamento realmente justo? O justo é o suficiente num julgamento? São questionamentos passíveis de serem feitos. A título de exemplo, podemos citar o Sistema Judiciário com milhões de processos em andamento; inúmeras sentenças com recursos pois se considerou que o julgamento não foi correto. O alerta de Jesus é valido, pois os humanos com frequência julgam pelas aparências. Outra atitude divina é o perdão. É uma expressão de amor. A perdão supera a justiça, não porque aceita a injustiça, mas porque é preciso ligar novamente os que foram divididos pela injustiça.