OPINIÃO

Marceli Becker e Márcia Barbosa

Por
· 3 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+


Marceli Andresa Becker e Márcia Helena Saldanha Barbosa são duas escritoras que, com os livros que lançaram, respectivamente, “A mulher submersa” (2020) e “No faro das migalhas” (2021), de alguma forma, contribuíram para elevar o nível da poesia produzida em Passo Fundo.

Marceli Becker (Mar Becker) é natural de Passo Fundo. É formada em Filosofia e, atualmente, vive em São Paulo. Sobre ela, em 20 de agosto de 2011, nessa coluna de O NACIONAL, escrevi que fazia parte de “uma nova geração de escritores, com formação e influências diversas, além de domínio e atuação em mídias não convencionais, parte do atual cenário cultural de Passo Fundo; que se estende muito mais além dos muros das academias. A estudante de Filosofia (concluinte) e professora Marceli Andresa Becker é um dos expoentes nesse grupo de jovens escritores locais. Autora de ensaios e poemas, Marceli, nas palavras dela, busca “enlouquecer” a linguagem com o auxílio de imagens. Leitora de Herberto Helder, Sylvia Plath, Haroldo de Campos (Galáxias), Claudio Daniel (Letra Negra), Wittgenstein (na parte da linguagem) e admiradora de Bergman e Lars von Trier (na arte cinemática), mesmo em meio a tantas influências, ela conseguiu um tom próprio, que a torna singular”. Quase uma profecia, como demonstraria o êxito do livro de estreia, “A mulher submersa”, que recebeu elogios da crítica especializada, foi finalista do Prêmio Jabuti 2021 e, na categoria poesia, com mais de três mil exemplares vendidos, pode ser considerado um sucesso de vendas.

Do livro “A mulher submersa”, compartilho essa pequena mostra que retrata As irmãs da Ordem da Lagoa: “dos três votos que as irmãs da ordem da lagoa assumem / clausura, pobreza e silêncio - este último é o que mais tardam a internalizar / no início ainda se reúnem e conversam em voz alta durante / alguns minutos, em dias específicos da semana, poucos meses / depois vão falando mais baixo / daí em diante passam um período entre sussurros / em seguida perdem completamente a capacidade de emitir som / esse estágio da vocação – se alguém lhes pergunta o nome / mexem a boca, por costume / mas já não falam nem sussurram, o pouco que precisam / entender umas das outras, entendem por leitura labial. À noite / quando duas delas se encontram nos corredores / de castiçais à mão / olham-se, uma parada diante da outra / o fogo à frente dos lábios enrugados, movendo-se mudos” (....).

Márcia Barbosa é natural de Quaraí. Formada em Letras pela UFSM e doutora em Teoria da Literatura pela PUCRS. Foi professora titular da Universidade Passo Fundo e, durante muitos anos, viveu em Passo Fundo. Atualmente mora em Porto Alegre. Teoria e talento fundem-se na criação poética de Márcia Barbosa, cujo livro de estreia foi “Duas fomes” (2017). Na obra “No faro das migalhas”, Márcia, com a sutileza atinente a uma grande poeta, escancara, subjetivamente, o social na cara do leitor. Mas, tamanha a sutileza da poeta, talvez os menos avisados não percebam ou, por conveniência, continuem fingindo que não é com eles. Vejamos os versos de Álibi: “Orgulham-se os isentos de não compactuar / de não ceder. / Olham de cima o inferno / o mundo concreto do qual se abstêm. / Diante do genocídio/ da pátria lesada / das violações / dirão, em sua defesa, que têm um álibi: / no momento do crime não estavam lá. (...)”. Ou de A Marca: “Ferro ao pescoço, caçador de escravos / era uma vez / diz a história que me contaram / diz a história que um dia eu li. / Lá não é como aqui / naquelas páginas vê-se o passados / (....) / Mas o que faz um pescoço debaixo do joelho / de um policial? / Imobilizado, deitado no asfalto, / é sempre o mesmo réu / e o passado redivivo em rede nacional. (...)”. Em O Maestro, Márcia faz especial reverência à memória de Rui Paulo Diniz Gonçalves (o livreiro da Palmarinca): “Eu buscava o livro e a mão que o trazia. / O livreiro que lia... / discreto e intenso / ele era a sinfonia que vibrava. / E ainda vibra.”.

Marceli e Márcia, ao criarem versos que mais sugerem do que propriamente expressem realidades, conseguem, com maior eficácia, que o leitor seja tocado pela magia da poesia. Definidamente, duas grandes poetas.

PROMOÇÃO DO COLUNISTA: O livro “Ah! Essa estranha instituição chamada ciência” está disponível em versão Kindle na Amazon:

https://www.amazon.com.br/dp/B09Q25Q8H8/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&crid=JG0A69JMZ2UF&keywords=A

Gostou? Compartilhe