Nos últimos dias, surgiu a possibilidade de um cessar-fogo por parte da Rússia e um acordo para se estabelecer a paz. A grande questão é se a Rússia desenha um recuo voluntário ou se ela está sendo recuada pela Ucrânia, que tem demonstrado um bom nível de resistência contra o engessado exército do Kremlin. Enquanto se articulava a possibilidade de um acordo de paz, focada no status de neutralidade por parte da Ucrânia, a Rússia empreendia (até o fechamento da coluna no dia 30/03/22) bombardeios aéreos em cidades importantes. Nesse passo, a Rússia também tem mudado significativamente a narrativa, dizendo que a primeira fase da guerra foi concluída com sucesso e que agora o foco estaria na região de Donbass, no leste ucraniano. A narrativa é curiosa, uma vez que a aludida primeira fase foi, na verdade, uma derrota significativa para Putin, que não conseguiu capitular Kiev e as principais cidades, nem alterar o regime político. Conseguiu apenas o enclave estratégico na costa sul da Ucrânia, evitando o acesso do país ao Mar Negro, enquanto a porção ocidental da Ucrânia ainda resta distante de qualquer domínio por parte da Rússia. Talvez a narrativa de Putin sirva apenas para que Moscou ganhe tempo, enquanto a campanha terrestre fracassa, para reagrupar as forças em uma nova estratégia de guerra, isso tudo embalado pela possível quebra de confiança entre Putin e as suas forças militares. A problemática toda se concentra na ideia de que o acordo de paz e uma eventual neutralidade da Ucrânia seja o último recurso de Zelensky. Ele observa na liderança internacional um significativo hiato, ponto do qual Putin se aproveitou desde o início, uma vez que a atual configuração da política internacional se resume a um mundo sem lideranças capazes de frear ímpetos do século XX, como uma guerra expansionista. As sanções estão conseguindo isolar relativamente a Rússia, mas ainda poderiam ser mais eficazes, ao ponto em que ainda grandes bancos russos não foram demovidos do sistema SWIFT, por exemplo.
Cenários
Enquanto se aventa a possibilidade de acordos de paz e cessar-fogo, poderíamos construir dois cenários. O primeiro deles seria o da nova narrativa russa ser realmente verdadeira, com o foco na região de Donbass. Aqui se assumiria o fracasso da campanha militar terrestre da Rússia e teríamos uma Ucrânia, ainda sob o comando de Zelensky, com um status de neutralidade militar (sem a garantia de defesa do país a partir de seus aliados). Tudo isso poderia se concentrar em uma guerra de atrito no leste ucraniano, enquanto Putin cessa as suas campanhas militares no resto do país, pois, não possui mais recursos e capacidade logística. O segundo deles trabalharia com a ideia de que Putin só está querendo ganhar tempo, enquanto reagrupa as suas forças e os acordos de paz ainda estão muito distantes, quase inacessíveis. Observariamos novas campanhas militares e uma provável guerra de atrito se estabeleceria entre as porções ocidental e oriental da Ucrânia. Nesse último cenário ainda não se descartaria o risco químico e nuclear, o que traria um ingrediente que modificaria todo o tabuleiro geopolítico, escalando em proporções significativas e abrindo o chão para um conflito global. Aí sim estaríamos falando em uma nova configuração dos arranjos de poder mundiais, o que, até o momento, não se observa.