OPINIÃO

O homem de 38 doutorados honoris causa

Por
· 3 min de leitura
Você prefere ouvir essa matéria?
A- A+

Edgar Morin, o intelectual francês que afirma nunca ter aspirado postos honoríficos como o Collège de France ou alimentado fantasias em relação à Academia, mas se orgulha dos 38 títulos de doutor honoris causa que recebeu por universidades estrangeiras (não contabilizado o professor honoris causa da UPF, 2003), completou um século de vida em 2021. E, para o espanto de muitos e o deleite dos seus leitores, produzindo um livro atrás do outro.

Em “Lições de um século de vida”, publicado pela Bertrand Brasil, 2021, Morin, mais do que dar lições a alguém, buscou extrair lições da sua experiência centenária de vida. Lições que, evidentemente, são úteis para quem quiser refletir sobre a sua própria vida e aspirar encontrar a sua Via.

Um homem de múltiplas identidades e plural, eis uma boa síntese para Edgar Morin. Filho de judeus espanhóis e natural de Paris. A sua base cultural ele construiu a partir da morte da mãe, aos 10 anos, quando foi impelido para a literatura. Entende que não foi bom filho e nem bom pai (duas filhas, Véronique e Irène) mas foi um marido amado (quatro casamentos, Violette, Johanne, Edwige e Sabah) e amante. Possui formação em Direito, História e Geografia e é autor de obras de Sociologia, Educação e Filosofia (não necessariamente aceitas como tais). Viveu a invasão alemã de Paris em 1940. Ingressou na resistência e virou comunista. Estreou como autor com “O ano zero da Alemanha”, em 1946. Entrou, nessa época, para o Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Desiludido com as atrocidades da Era Stalin, pelas críticas, seria excluído do PC em 1951. Inicia como colaborador do Le Mond em 1963. Esteve presente no epicentro dos incêndios de Paris, maio de 1968. E, chegou aos 100 anos, ora reverenciado e ora criticado, inclusive pelos judeus, por condenar a política repressiva de Israel sobre o povo palestino.

O Morin mais popularizado, o do conhecimento transdisciplinar, surge com “O homem e a morte”, o primeiro livro que, nas suas reminiscências, ele considerou importante. Mas, a grande virada começou no período que passou na Califórnia/EUA, 1969-1970, no Instituto de Pesquisas Biológicas fundado por Jonas Salk (descobridor da vacina do poliovírus inativado). Em La Jolla (San Diego), Morin viveu o universo hippie da nova Era de Aquário, com muito baseado e relógios proscritos, descobriu a poesia da vida e conheceu os pensadores que o levaram a escrever o “Método” (seis volumes, publicados entre 1977 e 2004). Mas, a obra “Método” foi malvista por alguns “donos” de áreas do conhecimento, que denunciaram Morin como incompetente ou vulgarizador, embora ele tivesse apenas reinterpretado e interligado conhecimentos dispersos e elaborado o “Método” para lidar melhor com os problemas humanos.

A imprevisibilidade da vida. Somos máquinas nadas triviais, temos capacidade de inovar, criar e, por isso, provocar o inesperado, destaca Morin. Não se pode prever o que é criativo (os algoritmos da inteligência artificial têm limites). Ou alguém previu o surgimento de novos Jesus, Buda, Maomé, Skakespeare, Beethoven, Van Gogh, etc.?

Efetivamente, o que pode acumular, além de patrimônio material, um homem em 100 anos de vida? No caso de Morin, a sabedoria de discernir com clareza o que é o que não é relevante: que nunca se deve deixar de voltar ao canteiro do repensamento, que os nossos erros nos educam pela consciência deles, que a nossa visão de mundo precisa ser revisada a cada 10 anos (provavelmente em menor tempo, a partir de agora), que tudo o que ofenda e humilhe deve ser repudiado (discriminação étnica, religiosa, racial, gênero, orientação sexual, etc.) e que a ideia de liberdade nunca pode ser sacrificada.

E como alerta final, se o mal do século XX foi o totalitarismo do partido único (nazismo e comunismo, por exemplo); no XXI, surgiu o neototalitarismo, pela capacidade dos novos tempos de escravizar e domesticar mentes, ao converter pessoas, aparentemente sensatas, em fanáticas sem limites.

Infelizmente, o retorno da barbárie sempre é possível. Nenhum avanço histórico é irreversível. Estejamos preparados à espera do inesperado!


PROMOÇÃO DO COLUNISTA: O livro “Ah! Essa estranha instituição chamada ciência” está disponível em versão Kindle na Amazon.

Quem adquirir a versão Kindle, querendo, GANHARÁ UM EXEMPLAR DO LIVRO IMPRESSO SEM QUALQUER CUSTO (apenas a despesa postal para os de fora de Passo Fundo). Promoção limitada a 500 exemplares.

Gostou? Compartilhe