OPINIÃO

Agricultura translacional

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A frustração de expectativas com os vultosos recursos gastos com o Projeto Genoma Humano, que, na esfera de tratamentos médicos revolucionários, entregou menos do que era esperado por muitos, levou, no começo dos anos 2000, nos EUA, ao debate sobre a necessidade de maior aproximação entre pesquisa básica e aplicada, fazendo surgir uma “nova” área do conhecimento, que, no caso das ciências da saúde, convencionaram chamar de “medicina translacional”.

A conexão, entre ciência básica e aplicada, ganhou mais força ainda depois de 12 de junho 2008, quando o volume 453 da revista Nature, tratou do tema em editorial e artigos específicos, cujos títulos e ilustrações, apelando ao sensacionalismo, “Pesquisa Translacional - Cruzando o vale da morte” (“Translational Research - Crossing the valley of death”), deram destaque ao hiato que havia entre as bancadas dos laboratórios e os leitos dos pacientes. Da medicina para as outras áreas do conhecimento, foi questão de tempo. Nas ciências agrárias, a expressão “agricultura translacional”, atualmente, tem aparecido com relativa frequência nos títulos de artigos publicados em prestimosas revistas científicas e servido de temática para eventos diversos.

A expressão translacional é mera referência à materialização do conhecimento básico em tecnologia, processo ou serviço capazes de trazer benefícios ao usuário. Mas essa translação, diferente do que muitos imaginam, não é simples e nem fácil de ser feita, quando se trata de inovação útil para a agricultura. Nas ciências agrárias, os especialistas geram conhecimento básico em diferentes níveis de organização, que vão, sequencialmente, desde genes, moléculas, membranas, organelas, células, tecidos, órgãos, plantas e cultura (conjunto das plantas na lavoura). A translação da pesquisa básica para a aplicada, saindo da bancada do laboratório para o campo, uma vez que o alvo principal é o nível mais elevado de organização, a lavoura, exige diálogo entre especialistas atuantes nos diferentes níveis, pois a interferência, em um dado nível, via o uso de nutrientes, reguladores de crescimento, pesticidas ou de práticas diversas de manejo de cultivos, pode ser tanto benéfica, em um, quanto deletéria, em outro.

Historicamente, difusão de tecnologia, extensão rural, transferência de tecnologia e assistência técnica soam mais familiares do que “pesquisa translacional” no meio agrícola. Mas, há um novo ambiente, no qual inovação e tecnologia, pela criação de negócios diferenciados, são vistas como vetores de desenvolvimento, e, nesses tempos, sem precedentes, de configuração de novos ecossistemas de “inovação agro” no Brasil, a expressão “pesquisa agrícola translacional” parece ser adequada e tem tudo para exercer maior protagonismo.

As inciativas ora em curso no Brasil, envolvendo informações sobre agtechs (startups do setor agropecuário), hubs de inovação, parques tecnológicos, incubadoras e aceleradoras, estão reunidas no Agro Hub Brasil, um espaço virtual disponibilizado no site do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/inovacao/agrohub-brasil/ambientes-inovacao). O canal foi construído para aproximar investidores, empreendedores e clientes. O segmento da Agricultura Digital, que tem se mostrado prolífico em disponibilizar tecnologias para o dia a dia no campo, é um bom exemplo de novos negócios em expansão e um território fértil para a agricultura translacional.

Passo Fundo é uma cidade privilegiada, por possuir nos seus limites territoriais ou vizinhanças, os agentes necessários para o fomento da inovação de base tecnológica para a agricultura. Além de investidores potenciais, há os chamados centros geradores de conhecimento (institutos de pesquisa, universidades e centros universitários diversos) e setor empresarial forte (genética vegetal, máquinas agrícolas, biocombustíveis, etc.). E, como fator adicional, possui, instalado e em operação, um Parque Científico e Tecnológico, o UPF Parque da Universidade de Passo Fundo. Mas, reitera-se: sem a geração de conhecimento não têm como ser sustentados negócios de base tecnológica. E geração de conhecimento exige investimento em pesquisa básica.

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