Três perguntas podem orientar a reflexão da liturgia do domingo (Zacarias 12,1-11.13,1, Salmo 63, Gálatas 3,26-29 e Lucas 9,18-24). As duas primeiras são feitas diretamente por Jesus Cristo. Normalmente Ele é perguntado, mas desta vez se inverte a ordem. E a terceira pergunta nasce das respostas anteriores e é pessoal.
Jesus pergunta os discípulos: “Quem diz o povo que eu sou?” Jesus permite aos discípulos se exprimirem livremente manifestando as opiniões dos outros. Todas as respostas revelam que o povo tinha grande consideração por Jesus, pois o colocam na linha dos profetas, um “profeta ressuscitado”. Identificaram Jesus com personagens importantes do passado. As respostas são insuficientes porque enquadram Jesus em esquemas já conhecidos do passado. Jesus é mais que Elias, mais que João Batista e mais que outros profetas.
Para fazer emergir a verdadeira resposta, Jesus pergunta aos discípulos: “E, vós, quem dizeis que eu sou?”. Da parte dos discípulos deveria sair uma resposta mais precisa, pois estes tinham escolhido livremente seguir o mestre. Tinham visto e ouvido muito mais do que o povo em geral. Pedro responde em nome dos Doze, com uma profissão de fé que se diferencia de modo substancial da opinião das pessoas. Pedro afirma que Jesus é “O Cristo de Deus”. Para aprofundar e esclarecer ainda mais a resposta de Pedro, Jesus acrescenta algo que os apóstolos somente compreenderiam depois que os fatos tivessem acontecido, o seu sofrimento, a morte de cruz e a ressurreição. Algo incompreensível para os discípulos e mais ainda para o povo.
A seguir, segundo Lucas, “Jesus disse a todos”: aos que já eram seus discípulos e a quem se tornaria seu discípulo. Nasce aqui a pergunta “que discípulo sou eu?” ou “quem é Cristo para mim?”. O caminho que Jesus percorreu apresenta-se como o modelo para quem se dispõem a segui-lo. Ele aponta para duas decisões imprescindíveis: renunciar a si mesmo e tomar a cruz.
É inquietante a condição apresentada por Jesus: “Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará”. Como entender que perder é ganhar, e ganhar é perder? Viktor Frankl, fundador da Logoterapia, viveu vários anos em Campos de Concentração na segunda guerra mundial. Observando seus companheiros prisioneiros ele percebeu que aqueles que tinham projetos, sonhos e pessoas que desejavam reencontrar e ajudar depois que fossem libertos, estes conseguiam manter-se vivos naquele ambiente totalmente insalubre e violento. Lutavam para viver porque tinham um sentido para viver, uma causa para manterem-se vivos. Porém, os prisioneiros que deixavam de alimentar uma “causa” morriam mais rapidamente.
Estas constatações creio que ajudam a entender o que Jesus quer dizer com “perder a sua vida por causa de mim”. Os discípulos são aqueles que vivem “por uma causa” que é Cristo. O discípulo não vive para si mesmo. No dia em que o discípulo resolver viver “para si mesmo”, deixará de ser discípulo e sua vida ficará restrita ao pequeno mundo do eu. O amor por si mesmo pode tornar-se egoísmo e egocentrismo. O que está ao redor deixará de ser relevante. O renegar-se a si mesmo é direcionar as energias para os outros, ter atenção e tempo para eles.
Também pede para tomar “a cruz cada dia”. Ela está aí, é próxima, em toda a vida e em todos os dias. Cada dia apresenta as suas dificuldades para a construção de um bom relacionamento com os outros, na profissão, na vida familiar e social. Tomar a cruz de “cada dia” indica que não se trata de gestos heroicos de alguma rara situação ou ocasião, mas qualifica o estilo habitual do verdadeiro discípulo de viver com amor em tudo o que faz, ao modo de Jesus Cristo.