OPINIÃO

Borges e a Psicanálise

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Apesar da reconhecida aversão de Jorge Luis Borges, manifesta em opiniões desdenhosas sobre Freud (um homem mau ou um charlatão obcecado por sexo) e tiradas irônicas sobre a sua teoria (uma ciência baseada na vaidade, que a todo mundo agrada falar de si mesmo e ser levado a sério), há nesse escritor argentino e sua obra, não obstante a resistência de alguns psicanalistas, mais relação com a Psicanálise do que se supunha à primeira vista.

A aproximação de Borges e sua obra com teorias psicanalíticas se deu a partir da França, com o ensaio clássico de Didier Anzieu, “O corpo e os códigos nos contos de Borges”. Nesse pequeno ensaio, publicado em 1971, depreende-se que psicanálise e criação não são incompatíveis. Inclusive, Anzieu fixou a assertiva que a interpretação psicanalítica da criação literária é possível, desejável e fecunda. Deu o embasamento à distinção entre criatividade e criação. Criatividade é algo comum a todos os seres humanos, mas, para haver criação são necessários aporte de algo novo e que esse novo, mais cedo ou mais tarde, venha a gozar de reconhecimento público. Ou seja, a passagem da criatividade à criação, exige que, nesse processo, etapas (cinco, segundo Anzieu) sejam cumpridas. A última, consiste em pôr a obra para fora, quando o autor a dá por terminada e a expõe ao público, sujeitando-se a julgamento, crítica ou indiferença.

Didier Anzieu (protagonista da rumorosa ruptura com Jacques Lacan, ao descobrir que a mãe, Marguerite, que havia sido tratada por Lacan, era, sob pseudônimo, Aimée, objeto da tese de doutorado “Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade”) iniciou a leitura de Jorge Luis Borges em 1968, cuja obra, recém-traduzida para o francês, havia sido convertida na paixão da intelectualidade daquele país. Analisou os temas e as tramas explorados por Borges nos seus contos mais famosos, contidos em Ficciones e El Aleph, envolvendo os duelos com faca, o duplo, as simetrias, os espelhos, a biblioteca total, o código de todos os códigos, etc., para identificar, facilmente, o uso de recordações da infância, a erudição peculiar, os sonhos noturnos, as fantasias e os medos para produzir uma literatura de estética singular.

Uma evidência, que se impôs a Didier Anzieu, foi a dimensão narcisista da obra de Borges, conforme prefácio que assina, na edição francesa, do livro do psicanalista argentino, Julio Woscoboinik, “El secreto de Borges – Indagación psicoanalítica de su obra”. Anzieu destacou que o conteúdo da obra borgeana sobressai-se pelo narcisismo, em particular o narcisismo masculino (figuras femininas são menores ou submissas). E que isso fica explicitado na fascinação por imagens especulares, pelo duplo, pelo reflexo, pelo eco, pela simetria do inverso, pelo horror aos espelhos que deformam e multiplicam a imagem de si mesmo, pelo círculo, por venerar emoções como vergonha, humilhação, desprezo, covardia, vingança, sob o signo das quais os personagens dos seus contos atuam mais preocupados pela imagem de si mesmos do que de terceiros, ignorando sentimentos como o amor e o medo da morte. Além de entronizar o ideal da onipotência narcisista ao criar novas línguas, novas sociedades, novos mundos ou ao reunir numa única biblioteca todos os livros escritos ou ainda por escrever.

Em “El secreto de Borges – Indagación psicoanalítica de su obra”, 1991, segunda edição ampliada, Julio Woscoboinik, com melhor embasamento de fontes, especialmente, pela proximidade, argentinas, ampliou a análise psicanalítica de Didier Anzieu. Limitou-se, com devida cautela e como convém, mais aproximar Borges dos leitores do que interpretar o escritor. Até porque, e isso fica claro, Woscoboinik não foi analista de Borges e sequer o encontrou pessoalmente, embora tenham convivido, durante certo período, em Buenos Aires.

Ainda que possa aparentar, pelo título, Woscoboinik não revelou nenhum segredo que Jorge Luis Borges tivesse conseguido, até então, manter oculto do público. Intentou mostrar o que, pelos rastros deixados na obra literária que produziu, possivelmente, tenha permanecido secreto para o próprio Borges acerca de si mesmo.

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