Somos todos, literalmente, ignorantes sobre muitos assuntos ou temas, especialmente quando esses envolvem conhecimentos científicos avançados ou nem tanto, e em habilidades que, pelas mais diferentes razões, não dominamos ou não possuímos. O que não devemos é nos permitir que, sem consciência dessa incapacidade, sejam construídas visões de mundo que, alheias ao estabelecido, são falsas. Não há demérito algum em sermos ignorantes sobre uma porção de coisas. O perigoso é “não saber que não sabemos” e julgarmos que, sobre determinados assuntos, nossa opinião ou nossa capacidade de execução possam ser tão valiosas quanto as que são emitidas por especialistas ou o nosso desempenho superior ao alcançado por indivíduos efetivamente bem preparados.
O efeito Kruger-Dunning trata dessa incapacidade individual de reconhecimento de incompetência. Recebeu esse nome em alusão a Justin Kruger e a David Dunning que, na ocasião, vinculados ao Departamento de Psicologia da Universidade Cornell, EUA, publicaram, em 1999, o clássico Unskilled and Unaware of It: How Difficulties in Recognizing One’s Own Incompetence Lead to Inflated Self-Assessments (Journal of Personality and Social Psychology, v.77, n.6, p.1121-1134, 1999), que foi republicado, em 2009, na revista Psychology (v.1, p.30-46, 2009). Os indivíduos acometidos por esse efeito sofrem duplamente, pois não apenas tiram conclusões erradas e fazem escolhas infelizes, mas, paralelamente, pela sua incompetência, são incapazes dessa percepção de erros e, como consequência, de correção de rumos.
Um dos aspectos mais nefastos do efeito Kruger- Dunning é que a incapacidade de reconhecimento de incompetência leva esse tipo de indivíduo a inflar artificialmente a sua autoavaliação de desempenho em relação aos pares. Ou seja, pessoas sob o efeito Kruger-Dunning julgam-se mais competentes do que efetivamente são. O incompetente, em geral, superestima as suas habilidades. São do tipo que exalam certezas absolutas, pois, no seu universo, não há espaço para coisas como “todas as evidências sugerem”. E pior, não valorizam adequadamente a competência de terceiros e, sendo assim, sequer conseguem usar o referencial alheio de competência para melhorar o próprio desempenho.
Em função do efeito Kruger-Dunning, a tendência é das pessoas terem uma visão mais favorável em relação às suas habilidades individuais. A maioria, seja qual for o quesito, acredita que está acima da média da população que integra (em sala de aula, no trabalho, etc.). Algo impossível, em estatística descritiva, diga-se. Em resumo, costumamos ser benevolentes com nós mesmos, especialmente quando, frente aos pares em determinadas áreas do conhecimento, somos iniciantes ou intelectualmente medíocres. Em muitas ocasiões faltam habilidades metacognitivas aos principiantes ou incompetentes. Repare que, em sala de aula ou no ambiente de trabalho, sempre há aqueles que têm dificuldade em reconhecer o seu nível de dificuldade e em avaliar adequadamente o seu próprio desempenho. E a grande tragédia no mundo das corporações é que, contrariando as leis naturais, os incompetentes, majoritariamente, atraem-se em vez de, como seria esperável, repelirem-se.
Os incapazes de percepção de suas próprias limitações não melhoram o desempenho, pois, em geral, não compreendem o que leem e não conseguem construir argumentos com um mínimo de lógica. A ignorância, em muitos casos, é uma espécie de benção, especialmente numa autoavaliação. O grande paradoxo do efeito Kruger-Dunning é que o único jeito de fazer um incompetente tomar ciência da sua incompetência é torná-lo competente. E como se faz isso?
Talvez por desconhecimento do efeito Kruger-Dunning é que um professor amigo meu (essa estrutura é uma homenagem ao Belchior: “Aí um analista amigo meu disse que...”), Luiz Ataides Jacobsen, costuma brincar em relação ao material de apoio bibliográfico que disponibiliza aos seus alunos, dizendo que ele leva o burro até a lagoa, mas não obriga o animal a beber água. Parece que não há outro jeito, tem que obrigar!
Originalmente publicada em 1º/03/2012.
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