OPINIÃO

Machado através d`O Espelho

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Esmiuçar uma revista brasileira oitocentista, O Espelho, foi o que se propôs a historiadora Cristiane Garcia Teixeira na sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em História da UFSC, defendida em 2016. O livro A mocidade n`O Espelho – Machado de Assis e Eleutério de Sousa, redatores de uma revista oitocentista (1859-1860), 344 páginas, publicado em 2022, pela editora Cancioneiro, é resultante desse trabalho acadêmico.

A obra da historiadora Cristiane Garcia Teixeira trata da revista O Espelho e dos atores que tiveram maior participação na efêmera vida desse periódico. Deu destaque ao espaço ocupado por cada um deles na revista, que é caracterizada por ela, mais além de um periódico, como um lugar de relações afetivas e sociais. O Espelho – revista de literatura, modas, indústria e artes – começou a circular no Rio de Janeiro no dia 4 de setembro de 1859 e, no ano seguinte, desapareceria. Não é surpresa que, em uma sociedade atrasada (escravocrata e majoritariamente analfabeta), tenha durado tão pouco. Foram apenas 19 edições, porém, mais do que suficientes, para revelar, nas suas páginas, a genialidade do então novel escritor Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908).

Outro escritor conhecido, que marcou presença nas páginas de O Espelho, foi Casimiro de Abreu (1839-1860). O poeta romântico, de livro único, Primaveras, publicado em 1859, que imortalizou o poema Meus oito anos (Oh! que saudades que tenho/ Da aurora da minha vida,/ Da minha infância querida/ Que os anos não trazem mais! ...). Mas, indubitavelmente, além do seu criador, Francisco Eleutério de Sousa, a figura de proa de O Espelho foi Machado de Assis. O cânone da literatura brasileira, escreveu diversos e variados textos (artigos de opinião, crônicas, críticas teatrais e literárias, poesias e, supostamente, biografias). Foram 40 textos assinados por Machado de Assis. Em 12 ocasiões, o futuro criador da Academia Brasileira de Letras, ocupou o espaço de abertura da revista.

O destaque do trabalho da historiadora Cristiane Garcia Teixeira é a descoberta da suposta autoria de Machado de Assis, uma vez que não traz assinatura, do perfil biográfico de D. Pedro II, publicado na edição de número 10, de O Espelho, em 6 de novembro de 1859. Para embasar essa tese, Cristiane coligiu evidências. Entre elas, além do estilo Machadiano (dar a entender que não escreveria sobre algo, mas fazer o contrário), o posicionamento do texto na revista (primeira página, artigo de abertura, espaço majoritariamente ocupado por Machado), a nota da edição número 6, de 9 de outubro de 1859 (“Brevemente encetaremos a publicação de uma galeria dramática – biografias e retratos correspondentes. O fotógrafo é o Sr. Gaspar Guimarães e o biógrafo é o Sr. Machado de Assis”) e os anúncios publicitários, nas edições de 8 de novembro de 1859, da Marmota Fluminense e do Correio da Tarde, que davam conta da publicação, em O Espelho, do esboço biográfico de D. Pedro II e do retrato litografado de S.M. O Imperador.

A relevância do trabalho da historiadora Cristiane Garcia Teixeira, frise-se, é a possível descoberta de autoria de Machado de Assis como biógrafo de D. Pedro II. Não no texto do esboço biográfico. Uma vez que era conhecido e, por resumido, não intentou uma análise completa da vida do Imperador e nem acrescentou algo que não seja conhecido (destacando o monarca cultor e amante das letras pátrias, porém sem tangenciar o lado trágico das revoluções fratricidas, que ocorreram durante o reinado de D. Pedro II, caso da Farroupilha no RS).

O Espelho foi um divisor de águas na carreira literária do Bruxo do Cosme Velho. Inclusive, daria nome a um conto de Machado de Assis (O Espelho, parte do livro Papéis avulsos, de 1882), que, a partir da história do alferes que descobriu a sua identidade ao vestir a farda, buscou esboçar uma nova teoria da alma humana.

Mas, como Bruxo é Bruxo, Machado de Assis, em crônica publicada em O Espelho (A reforma pelo jornal, 23/10/1859), soa atual, ao ter escrito: “Eu o creio de coração. Graças a Deus, se há alguma coisa a esperar é a das inteligências proletárias, das classes ínfimas; das superiores, não.”


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