OPINIÃO

As conexões de Bateson

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Os versos de T. S. Eliot, “We shall not cease from exploration/ And the end of all our exploring/ Will be to arrive where we started/ And know the place for the first time”, fizeram mais sentido do que nunca para Gregory Beteson, quando, no outono de 1979, foi convidado para dar uma conferência em Londres no Instituto de Arte Contemporânea. Na essência dessa mensagem, ele se socorreu para expressar as suas ideias, em estilo autobiográfico, naquela que talvez tenha sido a sua última conferência. Nascido na Inglaterra e radicado nos Estados Unidos da América desde os anos 1930, não era a primeira vez que retornava a sua terra natal, mas seria a última. Sofrendo de câncer ele viria a morrer, na Califórnia, em 4 de julho de 1980.

Gregory Bateson foi biólogo (estudou zoologia em Londres e biologia em Cambridge) e antropólogo, tendo se consagrado como um dos grandes pensadores sistêmicos do século XX. Fez incursões, além da biologia, pela psiquiatria e psicologia (pertenceu à chamada Escola de Palo Alto, uma espécie de Colégio Invisível), sociologia, linguística, ecologia e cibernética (fez parte da Macy Conferences). Estudou as relações entre esquizofrenia e comunicação, vindo a desenvolver a Teoria do Duplo Vínculo (Double-Bind Theory).

Na nova teoria dos sistemas vivos, que começou a ser construída a partir dos anos 1960, o nome de Bateson, pelo desenvolvimento do modelo de processo cognitivo, ao lado de Humberto Maturana e Francisco Varela, autopoiese, e Ilya Prigogine, estruturas dissipativas, integra a tríade dos principais criadores. Foi, bem provável, por influência do pai, o cientista inglês Willian Bateson, redescobridor das leis de Mendel e criador da Genética, que Gregory iniciou na biologia. Acabaria indo muito além da história natural, fazendo-nos refletir (e questionar) sobre a ideia de “mente” dominante na ciência ocidental. Os ensinamentos de Bateson levaram à construção de uma biologia do conhecimento, pós-darwiniana, fundamentada na teoria dos sistemas complexos, que buscou superar visões obsoletas, que, lamentavelmente, ainda persistem na comunidade científica e são ensinadas nas escolas.

Gregory Bateson deixou, como legado, um estilo de pensamento, em que, para o bem ou para o mal, sobressai-se a necessidade de contextualização. Não se pode pretender conhecer as coisas deste mundo isoladamente. Todo conhecimento se insere num contexto. Ele procurou juntar peças, para montar o quebra-cabeça da evolução do pensamento, buscando um padrão de conexão. Usou a comunicação como núcleo central da epistemologia, para encontrar o entendimento da estrutura comum que liga os seres vivos. Foi além do senso popular de transdisciplinaridade, meramente cruzar as fronteiras das disciplinas, forjando outra organização de ideias, uma ecologia da mente, que nos permitiu ver o novo. É exemplar o modo como estimulava seus alunos a encontrar a estrutura que liga um caranguejo a uma lagosta e a uma orquídea e a uma prímula. E, assim por diante, todos os quatros com nós humanos (descrito no livro “Mind and Nature – A Necessary Unity”).

Na visão de Bateson, o avanço do conhecimento é limitado pela falta de entendimento das pressuposições básicas que governam não apenas a atividade científica, mas, em especial, o dia a dia da vida de cada um de nós. No contexto que ele, ironicamente, chamou de “every schoolboy knows“ (aquilo que todo aluno sabe). Melhor seria dizer, aquilo que todos deveríamos saber, mas, independentemente de titulação acadêmica, não sabemos praticar.

Quem assistiu ao filme “Mindwalk” (Ponto de Mutação, título dado à versão em português) talvez lembre (ou não) da conversa travada por uma cientista (desencantada com o projeto Guerra nas Estrelas), um político (candidato derrotado à presidência dos Estados Unidos) e um poeta (em crise), sob a inspiradora paisagem do Mont St. Michel no sul da França. Quando Sonja Hoffman, a cientista vivida na tela por Liv Ullmann, é questionada pelo político para citar os responsáveis por esse “novo sistema de pensamento” que ela está defendendo, três nomes lhe vêm à mente e destaca que quem os conecta é Gregory Bateson.

P.S.: coluna originalmente publicada em 28/02/2008.


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