São quatro milhões de anos de história do homem na Terra (ou desde o aparecimento de alguma criatura que, pelo menos vagamente, lembre algo de nós). Pode parecer pouco diante dos 4,6 bilhões de anos do planeta Terra e dos 3,9 bilhões de anos do surgimento da vida (observem que há uma ordem de grandeza de mil vezes separando essas escalas de anos), mas foi tempo mais que suficiente para a humanidade, diante do aumento da população mundial, trilhar um caminho que, em termos de pressão sobre o ambiente, não é mais possível voltar. De caçador e coletor, vivendo em harmonia com a natureza em tempos primitivos, o homem, via a agricultura e a industrialização, transformou-se em um predador tecnológico dos outros seres vivos. Em termos ambientais, um ecocida.
Somos conscientes que o número de criaturas humanas no planeta não pode se expandir infinitamente. Atingimos a cifra de 8 bilhões de pessoas e, pelo que tudo indica, chegaremos aos 9 bilhões de seres antes mesmo de completada a primeira metade deste século. Já há asfalto, concreto e poluição em demasia para percebermos o quanto nos afastamos do paraíso dos nossos ancestrais símios. Atingimos, mesmo havendo quem discorde disso, o ponto de saturação em termos de limite de crescimento populacional suportável por um planeta que é finito.
No nosso caminho evolutivo, biológico e cultural, deixamos um rastro de destruição. Entender a nossa relação com os outros seres vivos mesmo que não nos redima de culpa, pode ser relevante para a preservação da biodiversidade no planeta Terra. A compreensão de como o homem se relaciona com a vida no mundo natural, sem ser uma idealização romântica da natureza, é o que trata a hipótese da biofilia, que começou a ser construída (e discutida desde então) pelo naturalista Edward O. Wilson, quando publicou, em 1984, o livro homônimo Biophilia.
A palavra biofilia, conforme Edward O. Wilson, se refere à afinidade inata que os seres humanos têm com outras formas de vida, a uma afiliação evocada, de acordo com as circunstâncias, por prazer, ou por uma impressão de segurança, ou de temor, ou mesmo de fascínio misturada a repulsa. A biofilia pode ser tanto positiva, literalmente expressando a origem grega das palavras que formam o termo, amor e vida, quanto negativa, considerando-se, neste caso, como mais adequado, o emprego da palavra biofobia. Veja e analise qual é o seu comportamento em relação a uma bactéria (temor de pegar uma infeção), a um gatinho (brincar), a uma cobra ou a um tigre (medo e pavor, por exemplo). Há uma espécie de propensão nos nossos genes que parece despertar sentimentos que não se justificam apenas pelas experiências vividas. O caso do temor e fascínio com cobras é bem ilustrativo. Uma única experiência assustadora, mesmo que seja apenas via história contada para amedrontar, parece ser suficiente para instigar nossa aversão para com esses animais desde criança. No entanto, não temos este mesmo comportamento frente a objetos efetivamente perigosos inventados pelo homem, caso de armas de fogo, facas, drogas, etc. Por quê? Talvez porque, segundo argumenta Wilson, nossa espécie ainda não foi suficientemente exposta no tempo evolucionário a esses agentes letais para adquirir os genes de predisposição que assegurem o sentimento automático de aversão e perigo.
São escassas as evidências da biofilia que não possam ser questionadas racionalmente. Nos domínios científicos da história natural, a maior parte da teoria sobre a sua origem genética é puramente especulativa. A lógica dessa hipótese, no entanto, não pode ser negligenciada. Mesmo que não passe de uma metáfora muito bem construída, essa hipótese, ao asseverar como parte da natureza humana a preocupação com as demais formas de vida, sinaliza para uma ética da preservação, denotando como errado, por exemplo, a perda de biodiversidade em decorrência da atividade humana.
A tese central sobre nossa herança biológica ainda aguarda por uma melhor teorização. Não conseguimos entender (e aceitar) Darwin na sua plenitude. Acima de tudo, em questões relacionadas com a nossa conexão e interdependência, via a ancestralidade comum, com a pluralidade dos outros seres vivos.
P.S.: originalmente publicada em 19/08/2010.
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