Getulio Vargas Zauza, psicólogo clinico (CRPRS 07-0484), morto, beirando os 93 anos (28/12/1929 - 21/11/2022), em Passo Fundo, dizia que a maioria dos pacientes, que, um dia, o procurara, na sua clínica, costumava chegar usando a expressão “Doutor, o senhor é a minha última esperança”. E muitos dos mais de mil pacientes tratados por ele, nos seus 44 anos de psicologia clínica (10 anos em Porto Alegre e os últimos 34 anos em Passo Fundo), para a sua felicidade, encontraram o alento que buscavam.
Zauza era natural de Santiago, RS. Aos 7 anos foi matriculado na escola que seu pai, além de agricultor, era professor. Tempos da lousa e da implacável palmatória. Dois meses depois de iniciadas as aulas, por ser pego conversando, foi submetido à palmatória. Foi para casa e nunca mais voltou para aquela escola. Aprendeu a ler e a tabuada por conta própria. Levaria cinco anos nesse processo. Foi morar com uma irmã e, matriculado numa escola formal (Grupo Escolar Apolinário Posto Alegre), concluiu o primário aos 15 anos. Enquanto esperava o irmão, o tenente do exército João Tito, combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB), voltar da Itália, para, conforme promessa, levá-lo para o Rio de Janeiro, trabalhava de dia, numa fabrica de bebida, e, à noite, estudava num curso de madureza (Artigo 91), uma espécie de EJA dos dias atuais, pelo qual concluiria o ensino de primeiro grau.
No Rio de Janeiro, em 1947, ingressou como soldado na Força Aérea Brasileira (FAB). Prestou exame para a Escola Técnica de Aviação, em São Paulo, onde concluiu curso de eletrônica e ficaria até o final de 1949. De volta ao Rio de Janeiro, em 1950, foi lotado no Laboratório de Pesquisa e Padronização da FAB, passando a trabalhar em projetos de certificação de qualidade de equipamentos eletrônicos. Nessa época, concluiu o segundo grau pelo colégio da Moderna Associação Brasileira de Ensino (a famosa MABE). Despertou, por influência dos professores da MABE, para filosofia, religião, esoterismo e psicologia. Elegeu Jesus (o homem e não o Deus) e Sócrates como modelos a serem seguidos. Cultuou o “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”, João 8:32, e, acima de tudo, o aforismo “Nosce te Ipsum” (Conhece-te a ti mesmo), retratado na entrada do templo de Delfos, na Grécia, para o qual Zauza teceu um poema e emoldurou em quadro.
Em 1956 foi transferido para Porto Alegre. No ano seguinte, prestaria vestibular para História Natural (atualmente, Biologia) na PUCRS, concluindo a licenciatura em 1960. Seguindo a sua vocação e a tradição da época, em pós-graduação, passou a cursar Psicologia, também na PUCRS, graduando-se em 18 de dezembro de 1963. Nessa Universidade, atuaria, por 10 anos (até 1969), como professor assistente de Fisiologia Vegetal.
A partir de 1964 trabalhou como psicólogo clínico. Além da clínica particular, assumiu, como voluntário, a função de psicólogo, no Instituto Santa Luzia, dedicado à educação de deficientes visuais. Paralelamente, no setor público, atuou na área de Psicologia Organizacional e Educacional, no Ginásio Agrícola Senador Pinheiro Machado, em Porto Alegre, por exemplo, que funcionava em regime de internato.
No começo de 1974, radicou-se em Passo Fundo. Na cidade, trabalhou no Cecy Leite Costa, e, durante 9 anos, atuou a Escola Sorriso do Amanhã, vinculada à APAE de Passo Fundo, além de colaborar com as APAEs de Carazinho e Não-Me-Toque. Na UPF, lecionou Psicologia da Educação, em 1974. Mas, especialmente, dedicou-se ao exercício da psicologia clínica, mantendo consultório voltado a cuidar de pacientes adultos, ao longo de 34 anos.
Getulio Vargas Zauza integrou a Academia Passo-Fundense de Letras. Escreveu cinco livros, além de artigos e poemas dispersos. Foram três livros de poemas (Cânticos do amor à vida; Divã, Lagrimas e Libertação; e Solidão e Dor) e dois sobre os seus métodos de trabalho: Energia Psíquica e Psicoterapia Objetiva, 2009, e Método de Estudo, 2013.
Nos poemas de Zauza, sobressai-se, de forma explicitada por ele, a tentativa de transformar em arte as horas infindáveis de dor, sofrimento, angustias, lágrimas e esperanças vivenciadas pelos pacientes e co-espervividas objetivamente pelo terapeuta. São versos, quase confessionais, de Zauza: “Aprendi a silenciar / Vivendo no silêncio da fundura / Ou ouvindo o estertor da alma / que se agita / E se afoga em ansiedade / Ou angústias infinitas. / Aprendi a silenciar, / Na aparência ficar inerme, quedo / Ante a alma que se tortura / E freme e gela de pânico-medo. / E silenciei-me por inteiro, / Mergulhei meu coração na calma. / Então aprendi a ouvir / E falar de alma para alma.
Apesar da formação Freudiana, sinal de uma época, há mais Jung e Adler do que Freud em Zauza. A sua obra mais robusta, e que mais me atrai, é “Energia Psíquica e Psicoterapia Objetiva – Teoria e Prática”, que sintetiza o método que ele pôs em pratica ao longo de 44 anos, cuja epígrafe, da lavra dele, diz tudo “A verdadeira psicoterapia conduz, / Da Verdade, à Divina Luz, / Que cura a Alma / E liberta-a da teia das ilusões”.
Getulio Vargas Zauza, com a sua morte, além de pacientes e amigos, deixou a prantear a sua ausência, a esposa Aiêsa Magáli Zauza e o filho Daniel Zauza. Nossos respeitos à memória do Dr. Zauza!