OPINIÃO

Um banquete, uma ceia e duas mortes

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Recaem sobre nós, queiramos ou não, as mortes de Sócrates e de Jesus de Nazaré. Talvez porque, se estivéssemos em Atenas, no ano 399 a.C., teríamos votado pela condenação do filosofo grego que pregava “só sei que nada sei”; ou, em Jerusalém, no ano 33 d.C., diante de Pilatos, teríamos engrossado o coro da turba que bradou “Esse não! Mas Barrabás, sim!”, em detrimento do “Filho de Deus”.

Há mais semelhanças entre as condenações à morte de Sócrates e de Jesus de Nazaré do que, ao estilo Shakespeare, a nossa vã filosofia possa imaginar. Nos personagens que emergem da dramaturgia de Platão e do Evangelho segundo João, há um leve toque de “suicidas”. Sócrates, admite-se, assegurou a sua condenação ao se recusar a negociar, tornando a situação irreversível, para ele, com a proposta de castigo alternativo a lhe ser imposto no lugar da cicuta. Além de ter refutado todas as oportunidades de fuga que lhe foram facultadas. E, Jesus, em João 19, flagelado e coroado de espinhos, não deixou opção a Pilatos, que havia dito “Eu não encontro qualquer culpa nele” (João 18), quando, no pretório, ao se recusar a responder de onde vinha e, diante do questionamento “Não me falas? Não sabes que tenho autoridade para te libertar e autoridade para te crucificar?”, ter contestado “Não terias qualquer autoridade sobre mim se ela não tivesse sido dada de cima. Por isso quem me entregou a ti tem mais culpa”. Pilatos vacilou. Ainda tentou libertá-lo. Mas, diante dos berros da turba “Se o libertares, não és amigo de César”, cedeu. Jesus foi levado ao Gólgota, onde foi crucificado. E morreu para que se cumprisse a Escritura.

Sócrates, ao não condescender negociar valores, praticamente forçou Atenas, e, de resto, todo o mundo ocidental, a assumir a culpa por uma morte que, admitem algum, ele mesmo escolheu. Idem Jesus, no caso dos cristãos, ao se deixar morrer para que se cumprisse a Escritura. Se tivéssemos tomado assento naquele júri de Atenas, como teríamos votado? Lembremo-nos que Atenas vivia quadro de humilhação militar e divisão política, quando Sócrates foi julgado. É provável que, diante de argumentos ditos irrefutáveis, muitos endossassem teses de que é preferível a injustiça à desordem, Goeth, ou que a preservação da ordem social e legal torna possível a reparação dos erros da justiça, Hegel, e votassem pela condenação. E, no caso de Jesus, como se contrapor ao argumento de que libertar o nazareno era o mesmo que recusar a autoridade de César.

Enquanto refletimos, parece que não nos resta outro caminho que não seja colocar em recesso, pelo menos em tese, aquele júri de Atenas e o flagelo e a crucificação de Jesus, sobrestando o juízo no pretório. Nesse entremeio, buscamos a redenção do nosso sentimento de culpa. Pois, até para aqueles que acreditam na Ressurreição de Cristo, a agonia e os gritos de abandono do nazareno na cruz soam terríveis. E, mesmo que a morte de Sócrates, na descrição de Platão, aparente certa leveza, isso também não nos exime, mesmo que simbólica, de responsabilidade. As justificativas para essas duas execuções ainda permanecem abertas.

O Sócrates platônico e o Jesus do Novo Testamento, pelo uso do mito e de parábolas, deixaram um legado imensurável de valores, que a bestialidade humana se recusa admitir e botar em prática. Foram dois personagens singulares que, mesmo separados por 432 anos na existência terrena, comungaram em muitas coisas, havendo, inclusive, quem identifique sinais da maiêutica socrática nas parábolas de Jesus.

Sobre o título dessa coluna, o banquete mencionado é o ocorrido por volta do ano 400 a.C., na casa de Agáton, descrito na obra de Platão, O Banquete, que teve Sócrates como personagem principal; e, a ceia, evidentemente, A Última Ceia (João 13). Depois desse banquete, segue-se o julgamento e a execução de Sócrates, no ano 399 a.C. E Jesus de Nazaré, desse último encontro com os seus discípulos, partiu para a morte, quase imediatamente.

Em tempo, os ensinamentos deixados por Sócrates e Jesus colocam, acima de tudo, o altruísmo, o amor e a compaixão, como valores universais. Para aqueles que, em nome de Deus, insistem pregar o contrário do que ele ensinou, nunca é demasiado rememorar as palavras de Jesus: Quem julgam vocês que sou?


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