OPINIÃO

O canto de Sirdion Poitevin

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A união do talento da jornalista Marina de Campos com o senso de oportunidade do editor Ivaldino Tasca rendeu, como fruto, em 2015, o livro O CANTO UIRAPURU. A obra, publicada com o selo da editora Aldeia Sul, conta, por intermédio das histórias do repórter do povo, José Sirdion Poitevin Gomes, a trajetória da Rádio Uirapuru.

José Sirdion Poitevin Gomes, o popular JG, nasceu em Uruguaiana, em 9 de fevereiro de 1955. Filho de um charqueador e uma desossadeira. Abandonou a escola, apenas cumprido o curso primário. Exerceu vários ofícios, lavador de peças em oficina mecânica, aos 8 anos, lavador/cuidador de carros nos finais de semana, etc., mas, desde muito cedo, inspirado no irmão Cleocir, técnico de som da Rádio Itaqui, sabia o que queria ser na vida: RADIALISTA.

Após iniciar carreira, como operador de som, na Rádio Itaqui, em 1969, partiu para Porto Alegre. Chegou à capital do Estado, numa segunda-feira, 11 de janeiro de 1971. Foi procurar emprego na Rádio Farroupilha. O destino dele se cruzou com o de Marne Barcelos (1942-2020), diretor da Rádio. Apesar de não lhe ter dado muita atenção, Marne indicou a pensão da Dona Guiomar, na Azenha, onde ele poderia se hospedar. E, naquele mesmo dia, no inicio da tarde, o motorista da Farroupilha foi buscá-lo na pensão, a pedido do seu Marne, que foi taxativo: tens até a uma da manhã, para dominar os aparelhos. Amanheceu contratado.

Na Rádio Farroupilha, produziu o programa Farroupilha Dentro da Noite, apresentado por Sayão Lobato (1941-2011, que ficou consagrado pelo bordão “Não diga não”, quadro que conversava com ouvintes que não poderiam usar a palavra NÃO durante dois minutos). Sayão só o chamava como “o de Uruguaiana”, mas, certa feita, em alusão ao poeta J. G. de Araújo Jorge, conhecido pelo poema Os versos que te dou (“...Se nesse tempo eu já tiver partido e / outros versos quiseres, teu pedido deixa / ao lado da cruz para onde eu vou.../ Quando lá novamente, então tu fores, / pode colher do chão todas as flores, pois /são os versos de amor que ainda te dou”), passou a se referir a ele como JG. O apelido pegou.

Mas, foi por acaso que, na Farroupilha, em 1976, durante cobertura de jogo do Internacional, em Lajeado, dia de muito frio, pela falta de voz do repórter João Carlos Machado, de técnico de som, JG se viu improvisado como repórter de campo. Saiu-se bem. Marne Barcelos, com faro apurado, colocou-o como técnico de som, pela manhã, e como repórter do povo, à tarde. Nesse período, aprimorou o estilo, nas vilas de Porto Alegre, conversando com donas de casa e trabalhadores.

Ficaria sete anos na Farroupilha. Até que sobreveio a crise dos Diários Associados e o império de Assis Chateaubriand ruiu. JG teve a chance de ir para Belo Horizonte (trabalhar na Rádio Itatiaia, a convite de Willy Gonser, 1936-2017), mas, pela distância da sua Uruguaiana, declinou. Acabaria em Santo Ângelo, na Rádio Sepé Tiaraju, onde, na Fenasoja, em 1981, apesar de uma costela quase quebrada pela cotovelada que levou de um segurança, furou todos os veículos de comunicação, conseguindo entrevistar, em primeira mão, o presidente João Batista Figueiredo.

Um coração machucado trouxe JG, em 1984, para Passo Fundo. Veio trabalhar na Rádio Passo Fundo. Mas, o braço quebrado (futebol no Bairro São José) e uma mãozinha do destino (visita do médico perito da Justiça do Trabalho, Luiz Fragomeni, que o viu em atividade com um braço só), levaria JG, enfim, a encontrar o seu lugar definitivo na cidade: a Rádio Uirapuru.

No final da noite daquele mesmo dia, por indicação do Dr. Luiz Fragomeni, um dos fundadores da Uirapuru, JG recebeu um telefonema do Altair Colussi (O Gordo, in memoriam), dizendo “Quer trabalhar comigo? Eu que contrato aqui na Uirapuru”. Foram até o Bar Caçapa, conversaram, beberam uns uísques e, ali, começou a ligação umbilical que une, até hoje, JG e a Uirapuru.

Na Rádio Uirapuru, desde 1984, JG, o Repórter do Povo, protagonizou passagens memoráveis (muitas em cumplicidade com o Dr. Luiz Fragomeni). Entre tantas, as cartas fictícias lidas no ar, como a que criticava os anestesistas locais, escrita pelo Dr. Fragomeni, que motivou o pedido de demissão de JG pela esposa do médico, por ser o dono da rádio um anestesista criticado pelo empregado. A resposta do patrão foi: “demissão coisa nenhuma. Os anestesistas que vão criar vergonha e atender bem o povo”. Porém, sem deixar de alertar o empregado, na frente da esposa: “Te cuida que vão te botar pra rua!”. Ou num 1º de abril, quando anunciou que tocaria a última música do Julio Iglesias seguida de uma entrevista exclusiva com o astro espanhol. Ninguém cogitou da impossibilidade dessa entrevista, mas houve críticas ao apresentador por ignorar que “na Uirapuru, é só o Brasil que canta”. Outro momento marcante foi o anúncio da morte de Tancredo Neves, em 21 de abril de 1986, antes do Plantão da Globo. Ou, na antológica entrevista ao vivo com o Padre Alcides Guareschi, sabe Deus por qual razão, JG perguntou: “Então o senhor deixa a reitoria da UPF e volta ao celibato?”.

São muitas as facetas de JG. Entre elas, a de um “quase poeta”, com tiradas como a que emocionou os presentes no velório do Dr. Bruno Markus: “Os grandes comandantes não morrem, eles partem para outras missões”. Ou, quando, em meio a uma crise pessoal, saiu-se com essa: “Hipócrita a sociedade e a família, pois exigem a minha felicidade, forçam o meu sorriso, sem, no entanto, se importar com a minha solidão”, que, nas redes sociais, fez sucesso sob a assinatura de Sirdion Poitevin.

Não faltaram reconhecimentos públicos ao radialista do bordão “Hãn, que que achou?!”. Desde o “Top of Mind” do Grupo Amanhã, por vários anos seguidos; além de ser o comunicador mais ouvido no interior do Estado; profissional destaque do mês (julho 2020), pelo Sindirádio; até o título de Cidadão Honorário de Passo Fundo, concedido pela Câmara Municipal de Vereadores, em novembro de 2022.

Nossos cumprimentos ao RADIALISTA JG, marido da Maria Teresa Orso Acco, pai de quatro filhas e avô de seis netos, que, nos seus 53 anos de atividade em rádio (1969-2022), primou pela humildade e pelo respeito às pessoas.

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