OPINIÃO

A ignorância, segundo Stuart Firestein

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Stuart Firestein, professor da Universidade Columbia, EUA, onde criou uma disciplina chamada, sugestivamente, de Ignorância (Ignorance), que coloca, aos alunos, o dilema de decidir o que é melhor, tirar nota mínima ou máxima nessa matéria, tem advogado que é a ignorância e não o conhecimento que impulsiona a ciência. Evidentemente, referindo-se que a comunidade científica deveria dar mais atenção à agnotologia, que cuida daquilo que não é sabido, do que à epistemologia, que trata do que é conhecido.

Não foi sem razão que Sócrates proclamou “Só sei que nada sei” em vez de, como seria esperável de um homem da sua envergadura intelectual, afirmar “Só sei que tudo sei”. Stuart Firestein, para reforçar a tese que tem defendido, nos presenteia com a ironia fina de Bernard Shaw, que, em um jantar com Albert Einstein, teria tido a ousadia de levantar um brinde: “A ciência sempre está errada. Nunca resolve um problema sem criar outros dez”. E o pior é que, apesar da aparente grosseria, a tirada espirituosa de Bernard Shaw não é falsa e nem descabida. Muito pelo contrário. A verdadeira ciência produz, no bom sentido, mais ignorância do que conhecimento, permitindo que avancemos por territórios desconhecidos. A começar por coisas que todo aquele que se dedica à atividade científica deveria saber. Primeira, que os fatos/dados gerados por qualquer pesquisa são sempre inconfiáveis. Não importa quão objetivamente esses dados tenham sido obtidos, há sempre um viés inerente, seja teórico ou instrumental ou do observador, quando não de mais de um desses ou de todos. Ou seja, toda descoberta sempre estará sujeita ao escrutínio de uma nova geração de cientistas, que, munida de novo ferramental, terá o maior prazer em mostrar que está errada. E, segunda, o olhar da ciência é (ou deveria ser) para além dos fatos conhecidos, pois, é desse olhar além que poderão advir descobertas e aplicações, efetivamente, relevantes.

O cientista deve olhar menos (e não quero dizer ignorar) para o que já foi feito e mais para o que resta fazer. O crucial na ciência é, sempre, a parte que não foi realizada ou que não existem dados ou que os dados disponíveis não são capazes de explicar, com coerência, a realidade. E, ainda, não podemos ignorar que, não raro, somos surpreendidos por coisas que sequer sabemos que não sabemos.

A busca pelo entendimento de mecanismos fundamentais, em qualquer área do conhecimento, tem sido mais profícua, na geração de aplicações relevantes, do que o culto ao método de “tentativa e erro”, muito em voga nas ciências experimentais ou empíricas de cunho positivista (agrárias e da saúde, por exemplo). Vejamos o caso do imunologista Peter Medawar (1915-1987, nascido no Rio de Janeiro, mas não considerado brasileiro), agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina 1960, que, ao elucidar a base biológica do processo de rejeição de órgãos, viabilizaria os transplantes de órgãos. Todavia, Medawar declinou desse crédito, dizendo que somente demonstrou que isso não era impossível. A era dos transplantes, aplicação, veio na sequência, quando se enxergou além da descoberta seminal de Medawar. É por isso que se diz que o Comitê Nobel costuma agraciar pesquisas que abrem outros campos, criando caminhos para que novas “ignorâncias” sejam solucionadas. Outro exemplo, embora imperceptível para nós os beneficiários e até para alguns aplicadores de resultados, é que não é o criacionismo e sim a teoria da evolução, Darwin e não o design inteligente, por intermédio do parentesco entre todos os organismos biológicos, que dá sustentação ao uso de sistemas-modelo em muitas pesquisas na área de saúde.

A prática científica não deve ser confundida com montagem de quebra-cabeças, pois, por maior que seja o número de peças desses artefatos, o fabricante assegura, previamente, que há uma solução. Estaria mais, na analogia usada por Stuart Firestein, para a busca de um gato preto num quarto escuro. É muito difícil achar esse gato, especialmente quando não se tem qualquer garantia que o felino esteja lá dentro (e, muito frequentemente, ele não está).

(Leitura sugerida: FIRESTEIN, S. Ignorância: como ela impulsiona a ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. 172p.)


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