O Brasil, queiram ou não os que insistem em negar aquilo que salta aos olhos, tem uma monumental dívida histórica com os negros africanos. Os ancestrais dos atuais brasileiros afrodescendentes, para cá trazidos, à força, ao longo de quatro séculos, com suor, lágrimas e sangue, deram, além da mão-de-obra, não raro, a própria vida, para a construção desse País. Esse fato se reflete na historiografia nacional, que, apesar da existência de algumas obras acadêmicas de vulto, retratando as agruras da escravidão em terras brasileiras, não encontra contrapartida, quando se compara, a quantidade de livros publicados sobre pessoas e famílias com raízes africanas, com o número de obras sobre imigrantes de origem europeia.
Foi em busca das suas raízes que Aiesa Magáli Zauza e Sônia Vargas Saibro, não por acaso primas, se debruçaram numa investigação da história familiar, que, na prática, se revelou mais complicada do que as próprias protagonistas, inicialmente, supuseram. O resultado foi posto no livro “Mariana e Joaquim – Buscando as nossas raízes”, publicado, em 2016, pelo Projeto Passo Fundo Apoio à Cultura. Um livro de poucas páginas, apenas 50, mas repleto de informações úteis para quem, de fora do núcleo familiar retratado, se dispõe a buscar luzes para entender um pouco melhor o ambiente social e cultural que estamos imersos no sul do Brasil.
Aiesa e Sônia são naturais de Porto Alegre. Ambas estudaram no Colégio Estadual Júlio de Castilhos. As duas são formadas pela UFRGS. Aiesa em História. Sônia em História Natural (Biologia) e Pedagogia. Elas fizeram carreira como professoras. Aiesa, em 1974, radicou-se em Passo Fundo, e, pela UPF, concluiu os cursos de Pedagogia e Psicologia. Além do magistério, Aiesa trabalhou como Psicóloga Clínica por mais de 30 anos. As duas primas, aproximadas por outra prima, Gládis, uniram-se em prol de uma causa: construir a identidade familiar a partir da ascendência e descendência de Mariana Teixeira Caldas e Joaquim Antônio de Campos.
A investigação genealógica realizada por Aiesa e Sônia, por envolver, especialmente, a história de escravizados no Brasil, não foi fácil. As fontes de informação não são abundantes e nem de fácil acesso. Elas, a partir da história oral familiar, aprofundam as buscas em arquivos (Arquivo Nacional, Biblioteca Nacional, Arquivo Histórico do Exército, Arquivo Histórico da Marinha, Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana de Porto Alegre, Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, Centro Histórico e Cultural da Santa Casa de Porto Alegre, Arquivo Histórico e Arquivo Público do RS), além de consulta a outras fontes.
O núcleo familiar de Aiesa e Sônia é radicado no Bairro Cidade Baixa, em Porto Alegre. Em comum, além dos olhos escuros e amendoados, malares salientes, cabelos crespos ou encaracolados, pele mulata ou amorenada, eram (e são) inteligentes, instruídos, dotados de habilidades musicais, verbais e vocacionados para o ensino. Aos descendentes sempre intrigou quem foi Joaquim? Quem foi Mariana? Como surgiu a devoção familiar a Nossa Senhora dos Navegantes?
Sobre Joaquim Antônio de Campos, além da lenda de filho de um náufrago e uma chinesa, sabia-se que havia nascido em Portugal, em 1826. Veio para o Brasil e foi sócio da Agência de Navegação Macedo e Azevedo, que fazia transporte de carga e de passageiros entre Porto Alegre e Rio de Janeiro. Apoiou, com mais três patrícios, a aquisição, em Vila Nova de Gaia, de uma escultura de Nossa Senhora dos Navegantes, trazida para Porto alegre, em 1871. Isso explica, em parte, a devoção da família a essa Santa, padroeira da Capital do Estado. Faleceu, vítima de pneumonia, em 27 de dezembro de 1892, aos 66 anos. Foi sepultado no cemitério da Santa Casa de Misericórdia.
E sobre Mariana Teixeira Caldas? Muito pouco era sabido. O nome dela surgiu no Arquivo Histórico da Cúria Metropolitana, em pesquisa sobre um neto do casal. Era uma negra baiana, muito bonita, filha de uma “negra forra” (Efigênia Maria da Conceição, tetravó das autoras), que veio para Porto Alegre, em 1836, acompanhando o pai, um soldado/oficial do Exército Imperial (época da Revolução Farroupilha). Foi casada com Francisco Ribeiro da Cruz, com quem teve três filhos, e, depois, com Joaquim Antônio de Campos, tendo mais seis filhos. Todos os filhos de Mariana e Joaquim levaram o sobrenome do pai e foram batizados na Igreja Nossa Senhora do Rosário, que, conforme relato do historiador Sérgio da Costa Franco, fora erigida entre 1817 e 1827 pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, uma confraria de negros livres e escravos.
Diferentemente de Joaquim, sobre Mariana, não se sabe como e onde viveu seus últimos anos, nem quando morreu ou onde foi sepultada. RIP Mariana!
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