OPINIÃO

Os Gouvêas

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Quem conhece um pouco da história da Companhia Jornalística Caldas Júnior ou teve o privilégio de folhear um exemplar do jornal Correio do Povo, no tamanho standard, ou da vespertina Folha da Tarde, formato tabloide, provavelmente, tem alguma ideia de quem foram os jornalistas Paulo de Gouvêa e Sérgio de Gouvêa. Mas, o que nem todos sabem, é que, um deles, acabaria os seus dias, em Passo Fundo, e, além de deixar descendentes na cidade, os seus restos mortais, não casualmente, ainda repousam no Cemitério da Vera Cruz.

Os irmãos Paulo Afonso Acioli de Gouvêa e Sérgio Acioli de Gouvêa eram filhos do comerciante e subdelegado de interior Carlos Otávio Acioli de Gouvêa, cujos empreendimentos, ao longo da vida, tiveram momentos de êxitos e de reveses, cabendo, nessas últimas ocasiões, à esposa, a professora Antonieta de Gouvêa, dar sustentação à família. Paulo nasceu em Cacheira do Sul e Sérgio no distrito do Umbu, munícipio de São Vicente do Sul. Em 1910, criança, vivendo no distrito do Rincão Bonito, próximo à Serra do Botucaraí, Paulo descreveu, magistralmente, como avistou a passagem do cometa Halley: “A imensa abóboda distante – onde moravam os anjos e os santos, como nos ensinava nossa Avó – era cortada por uma esteira de luz, larga, fosforescente, comprida como um rio”. Do interior para a Capital, na segunda década do século XX, há relatos, de Paulo, estudando no Anchieta, onde forjou amizade de vida toda com Theodomiro Tostes. Sobre Sérgio, não se encontrou menção que também tenha estudado no Anchieta; mas, tudo indica, sim. Uma vez concluídos os estudos, em Porto Alegre, Paulo voltou para a cidade natal. Os Gouvêas, em Cachoeira do Sul, atuaram na área cultural e na imprensa local, no início dos anos 1920. Paulo, em 1921, integrou a relação dos fundadores do Centro de Cultura Literária Marcelo Gama, que é o embrião da atual Academia Cachoeirense de Letras, da qual os irmãos, Paulo e Sérgio, são patronos das cadeiras 32 e 38, respectivamente.

Em 1926, Paulo de Gouvêa ressurgiu em porto Alegre e, além de ingressar como foca no Correio do Povo, passou a vivenciar aquilo que ele, em livro homônimo de 1976, chamou de O GRUPO, uma confraria de intelectuais do naipe de Augusto Meyer, Erico Verissimo, Moisés Vellinho, Viana Moog, Darci Azambuja, Vargas Neto, Theodomiro Tostes, Paulo Corrêa Lopes, Carlos Dante de Moraes, Athos Damasceno Ferreira, Dionélio Machado, Pedro Wayne, Ernani Fornari, Miranda Neto e Mario Quintana, entre outros, que se reunia para discutir literatura e viver a boêmia da Capital. Iniciavam a noite no Café Colombo e seguiam com rodadas de chopes cremosos no Antonello, no Zitter Frantz e no Chalé da Praça XV, enquanto deixavam passar ao largo o movimento da Semana de Arte Moderna de 1922 e seguiam dando vazão aos seus estilos românticos e simbolistas.

Sérgio de Gouvêa, no final dos anos 1920, também passou a trabalhar no Correio do Povo, como crítico literário e repórter de política. Nessas funções, angariaria desafetos. Sobre Erico Verissimo, escreveu, em 1932, quando do lançamento de Fantoches, que era uma obra escrita em linguagem maçante, repetitiva e que torturava os leitores. No ano seguinte, sobre Clarissa, foi mais benevolente, classificando a linguagem de Erico como nova e sem as incongruências dos falsos modernistas. Mas, não obstante, esse episódio parece que deixou sequelas no relacionamento, pois, em 1975, no suplemento especial, alusivo aos 80 anos do Correio do Povo, Erico Verissimo, sobre redatores e repórteres, assim se pronunciou: “Eu já encontrara o Paulo de Gouvêa na roda de chope que se reunia quase todas as noites no bar do Antonello, ao redor de Augusto Meyer e Théo Tostes; Paulo era um bom poeta, um divertido causer. Sim, e havia seu irmão Sérgio – menos espontâneo e cordial que Paulo – mas jornalista inteligente”. E, na esfera política, pelas críticas ao General Flores da Cunha, além de ter sido perseguido e espancado pelas “Milícias do Flores”, teve de se “exilar” no Rio de Janeiro, em 1932, produzindo o libelo Longe da Querência: “E às vezes me pergunto se sou eu mesmo que aqui estou, se isto tudo não é um sonho? Apalpo-me, sinto a carne. Não, a realidade é mais forte do que o sonho...”.

Paulo de Gouvêa fez parte da equipe de editorialistas do Correio do Povo e da Folha da Tarde, além de ter sido colunista. Aposentou-se em 1983. Escreveu os livros de poemas Mansamente, 1926, e Canção da Água Distante, 1941, além de O Grupo, crônicas, 1976.

Sérgio de Gouvêa, autor dos livros de poemas Inquietação, 1935, e Vida, Paixão e Morte, 1958, aposentado como funcionário público, e, após a morte da esposa, Lucy Brandão de Gouvêa, viria para Passo Fundo, para morar com o filho Jorge Alberto Brandão de Gouvêa, datiloscopista, que residia na cidade desde 1954, e, aqui, vitimado por um câncer de bexiga, morreria, em 30 de julho de 1965.

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