OPINIÃO

O véu de Verônica

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Peço a compreensão dos leitores para no reportarmos ao mês de março de 2021, momento em que Passo Fundo iniciava a vacinação contra a Covid. De modo geral toda a população estava aflita com a pandemia. Amigos, familiares e pessoas próximas em quarteirões da cidade eram acometidos pela doença. Clima pesado e triste em todas as famílias. Ricos, pobres, jovens ou idosos, todos invadidos pela ameaça. Mesmo com as absurdas observações de charlatanismo governamental, já não era permitido desconhecer a situação de perigo. Algumas normas oficiais foram implantadas com resguardo individual, evitando aglomeração e uso de máscaras. O isolamento. A gripe espanhola que causou mortes em todo o país no início do século XX, foi lembrada como séria advertência. Mas, diante de tamanha angústia e a morte rondando, iniciou-se a vacinação. Permitam-nos, então, que lembremos a experiência ao idoso setentão, definido como mais vulnerável ao contágio. E foi assim que, em 19 de março, após várias tentativas na fila, fomos atendidos na central de vacinação. Guardo, pois, o momento em que recebi a dose da vacina, com atendimento pela funcionária da saúde, muito atenciosa. Ouvi seu nome claramente mesmo com a máscara protetora que todos usavam. Ela disse chamar-se Verônica. Na hora lembrei uma das passagens mais memoráveis do Evangelho, na narração da “Via Crucis”. Sim foi Verônica que enxugou o rosto ensanguentado de Jesus com seu véu, onde ficou estampado o rosto do Cristo. Não é preciso esconder a sensação de ânimo com a aplicação da vacina. Uma funcionária pública, com dedicação e gentileza humanitária em gesto de compaixão. Foi rápido, mais do que o dever profissional, injeção de alívio e esperança. Obrigado, Verônica, que aplicou a primeira dose, agora completada com a vacina que protege contra a variante.

 

A democracia venceu a covardia

 

Finalmente começou a vacinação contra a Covid, no país, no estado e no município. Lembro que os ânimos estavam tensos, após período de irresponsabilidade adotada pelo governo Bolsonaro contrariando recomendação da OMS pela vacinação. A ciência médica e a imprensa denunciavam o inexplicável negacionismo protagonizado pelo palácio do Planalto. O próprio ministro da saúde foi demitido por defender a necessidade e urgência da vacina. Para sustentar a vergonhosa atitude do então governo brasileiro sonegando a salvação da saúde pública, formou-se uma barreira oficialesca de proporções psicopáticas contra evidências do conhecimento humano. As manifestações repudiáveis partiram esdrúxulas logo de quem deveria primeiro se apresentar para socorrer a dramática situação pandêmica. A maioria dos profissionais da saúde, pesquisadores, médicos, sanitaristas, enfim, instituições sérias e históricas do zelo pela saúde pública, suportaram a pressão psicológica e física, na própria existência. Os agentes de saúde eram ultrajados com a campanha pérfida de governantes infiéis ao interesse público. E a gadanha da morte ceifou vidas inocentes de brasileiros com a pandemia fulminante. A onda criminosa de ocupantes do comando político do país causou dano irrecuperável contrariando a própria razão. O presidente acolitado pelos sabujos do autoritarismo semeou dúvida insana e soberba escarnecendo da angústia de seu povo. No alto de seu narcisismo lançava ataques cínicos aos instrumentos da ciência médica que buscava a forma mais rápida para salvar vidas. A absoluta prioridade de saúde pública na terrível pandemia foi encarada com covardia por um governo que viu ameaçado por imaginário desgaste eleitoral. Todos viram o pragmatismo negacionista apregoado com cinismo nunca visto neste país, corrompendo a democracia de governo. A desgraça preconizada pelas advertências através da mídia e heroicamente socorrida pelo sistema de saúde causou a morte de dedicados pesquisadores, médicos, enfermeiros e em toda a rede de atendimento hospitalar. Foram estas forças da sociedade civil que sustentaram a resistência democrática contra a infame covardia que retardava a vacina. E foram milhares de brasileiros que não foram atendidos em tempo. Alguns morreram e uma legião de pessoas sobreviventes mais afetadas pelas sequelas da pandemia.

 

 

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