O atentado contra democracia no último dia 8 de janeiro, maculou novamente nossa história, com atos de violência e desbragada ofensa à dignidade do povo brasileiro. A depredação de seus símbolos sagrados na sede dos poderes da República pode ter sido o estertor da vil temporada contra o civismo. Os atos de vandalismo sob comandos alucinados e rebeldes contra o legítimo resultado das urnas foi criminoso, mas morreu na praia. A movimentação popular foi telecomandada, e os títeres da ditadura, agora são investigados e respondem pelos seus atos. Ao que tudo indica, a estratégia golpista contava com o êxito de atentados sucessivos, com percalço à morte para incitar onda de clamor. As manobras insidiosas, covardes e inescrupulosas contavam com o espasmo de cenas cruentas. Por isso, também, a mobilização insana perdeu empuxe. O resultado social repercutiu num sentimento nascente de paz que supera a fúria antidemocrática.
Vladimir Herzog
O dia 31 de março felizmente alvoreceu sem os sem ufanismos ao terrível período da ditadura militar de 64. Nem se trata abrir feridas. Referimo-nos ao momento histórico recentemente reconstituído na verdade sufocada durante décadas. Nos episódios de perseguição endêmica aos cidadãos que ousavam falar em liberdade, no período da ditadura, jornalistas foram os mais perseguidos, além de artistas, advogados, parlamentares, religiosos ou líderes sindicais. E foi assim a morte do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, professor e dramaturgo. Talentoso e cidadão correto. Dirigia o jornalismo da TV Cultura de São Paulo. O rancor da ditadura voltava-se contra pessoas cultas, salvo as que se posicionavam a favor do regime ditatorial. A censura à imprensa era feroz. Vladimir era filiado ao Partido Comunista e foi chamado a depor no II Exército. Apresentou-se espontaneamente. No dia 25 de outubro de 1975 foi assassinado, após sessões de tortura, nas instalações do quartel, onde agia o DOI-CODI. Por ser de família judaica foi sepultado no Cemitério Israelita do Butantã. Acontece que o governo militar apresentou a versão de que Vladimir se havia suicidado na cela. O órgão repressor divulgou foto adulterando o fato e mostrando o jornalista enforcado. Essa versão era utilizada para explicar o desaparecimento de pessoas torturadas até a morte. A tradição judaica sepultava suicidas em locais separados. O rabino Henry Sobel, ao presidir a cerimônia de sepultamento verificou que Vladimir apresentava marcas de estrangulamento. Assim, foi sepultado no centro do cemitério Israelita, entendendo que a versão era outra, ou seja, o jornalista foi vítima de assassinato. O procedimento repercutiu como contestação à versão do governo militar. A morte de Herzog ganhou notoriedade, na Federação Nacional dos Jornalistas, OAB e CNBB, fortemente nas manifestações de Dom Evaristo Arns e Helder Câmara. O jornal Zero Hora protagonizou uma série de reportagens, desafiando a censura, considerando que Herzog era de família judaica. A gente conseguia com algumas cautelas, repercutir as notícias na região. Passo Fundo participava da FENAJ, onde nos juntávamos às lideranças nacionais dos jornalistas. Um dos presidentes na época, Audálio Dantas, liderava movimento para revelar a verdade. Fala-se no assassinato do Jornalista Vladimir, por que foi catalizador da volta à democracia, como definiu o rabino Henry Sabel. Em 1978, o juiz Márcio Moraes, de São Paulo, reconheceu a responsabilidade do governo federal pelo assassinato. O cerimonial de encomendação de Herzog consolidou-se como o primeiro protesto público contra a ditadura. Com envolvimento de respeitáveis figuras da intelectualidade e representatividade civil, o aparelho repressor não conseguiu sufocar o ato de repercussão internacional. O filósofo Michel Foucault, também esteve presente. O movimento pelas Diretas, já, surgiu com força nos anos 80.
Passo Fundo, é preciso registrar, assinalou luta constante de resistência pela liberdade de opinião e pela democracia. Tivemos a honra de labutar ao lado de jornalistas e intelectuais valorosos, que embora perseguidos, lideraram a saga pela democracia.