OPINIÃO

Uma história literária de Passo Fundo

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A chegada de Manoel José das Neves, o Cabo Neves, por essas terras, em dezembro de 1827, deu início à cidade de Passo Fundo. Uma vez alçada à categoria de Vila; e após a emancipação de Cruz Alta, a 28 de janeiro de 1857, sobreviria a instalação da Câmara Vereadores, a 7 de agosto de daquele ano, constituindo, efetivamente, a nova municipalidade.

O primeiro livro de um autor passo-fundense, que se tem notícia, é o poemário FLORES INCULTAS, de Bento Porto da Fontoura, publicado em 1875. Antes de findar o século XIX, a paixão pelas letras floresceu no seio da sociedade local e materializou-se na criação do Clube Literário Amor à Instrução, datada de 15 de fevereiro de 1883. A agremiação chegou a atingir a marca de 120 associados, tinha biblioteca, com obras em diversas línguas, e promovia palestras, debates e saraus. Mas, a tragédia que passou para a história com o nome de Revolução Federalista (1893-1895) contribuiu para a desativação da entidade. A maioria dos sócios do Clube Literário Amor à Instrução apoiou as forças republicanas e engrossou as fileiras da chamada Guarda Republicana. Terminada a sanguinária revolução fratricida, até houve tentativa de reorganização do Clube Literário Amor à Instrução. E, embora não tenha sido levada adiante, os seus ideais permaneceriam vivos.

A chegada do trem, em 1898, foi vetor de muitas mudanças. Nas primeiras décadas do século XX, Passo Fundo vivenciou um momento histórico de grandes transformações, que ficou conhecido por a Belle Èpoque passo-fundense. As luzes de lampiões a querosene começaram a brilhar na Rua do Commercio (atual Av. Brasil) e em outras vias centrais. Por volta de 1910 automóveis começaram a circular. A nova Intendência Municipal foi inaugurada em 1911. O Banco da Província em 1912. A energia elétrica chegou a Passo Fundo em 1913. Foram criados os hospitais, de Caridade (depois da Cidade e hoje de Clínicas), em 1914, e São Vicente de Paulo, em 1918. Tudo ia bem, até que, em 1917, morreu o Coronel Gervásio Lucas Annes, que dominou a política local por quatro décadas, e sobreveio a gripe espanhola. E, nesse entremeio temporal, o Instituto Educacional Metodista, atual IE, foi fundado em 1920. As irmãs de Notre Dame criaram a escola da congregação, em 1923, e os Maristas se estabelecem na cidade, em 1929. E assim Passo Fundo se preparou para um novo surto de desenvolvimento, a partir dos anos 1930, que viria, de fato, a se materializar nos anos dourados da década de 1950, com o cume, em 1957, nas comemorações do centenário do município.

Nos anos 1930, o advento da ERA VARGAS, o projeto desenvolvimentista e de modernização capitalista do País. A valorização da Língua Portuguesa como instrumento de integração nacional. Agremiações Literárias ao estilo da Academia Brasileira de Letras, a Casa de Machado de Assis, fundada em 1897, e da Academia Rio-Grandense de Letras, de 1901, foram semeadas Brasil afora. Nesse rastro, a decisão de criar o Grêmio Passo-Fundense de Letras, atual Academia Passo-Fundense de Letras, foi tomada em reunião levada a cabo no dia 31 de março de 1938. E, assim, no dia 7 de abril e 1938, foi realizada a sessão de fundação do Grêmio Passo-Fundense de Letras que teve definida diretoria provisória constituída por: presidente - Arthur Ferreira Filho; vice-presidente - Gabriel Bastos; secretário geral - Sante Uberto Barbieri; primeiro secretário - Verdi De Césaro; segunda secretária - Lucilla Schleder; e tesoureiro - Daniel Dipp.

Uma das primeiras iniciativas do Grêmio Passo-Fundense de Letras foi a criação da Biblioteca Pública Municipal, conjuntamente com o Rotary Club, que seria materializada por meio da aquisição de livros pelo próprio Sodalício. O reconhecimento oficial veio através do Decreto nº 6, de 2 de abril de 1940, pelo qual o prefeito Arthur Ferreira Filho, fundador e primeiro presidente da novel entidade, criou a Biblioteca.

Nos anos 1940 e 1950, o Grêmio Passo-Fundense de Letras, reuniu os principais intelectuais de Passo Fundo, que, ao deixarem de lado as divergências pessoais, irmanaram-se em prol da cultura e do desenvolvimento do município. Nesses anos, passaram pelas reuniões do Sodalício, discussões de temas que marcariam, indelevelmente, o futuro de Passo Fundo. Como exemplos: a implantação do ensino universitário na cidade; a vinda de escritores como Erico Verissimo e Malba Tahan, para proferir conferências auspiciadas pelo Grêmio Passo-Fundense de Letras; a criação do Movimento Tradicionalista, que culminou na fundação do CTG Lalau Miranda, em 1952; a criação do Instituto Histórico de Passo Fundo, em 1954, que assumiria o comando das comemorações do Centenário do município em 1957.

Ao sentir o bafejar de ares dos novos tempos, no dia 7 de abril de 1961, o Grêmio Passo-Fundense de Letras foi transformado em Academia Passo-Fundense de Letras, teve os seus estatutos reformados e foi mantida a data original de fundação: 7 de abril de 1938.

O prédio, em estilo eclético, que sedia a Academia Passo-Fundense de Letras, situado na Av. Brasil Oeste, nº 792, junto ao Complexo Cultural Roseli Doleski Pretto, se confunde com a história do município de Passo Fundo. A edificação, que data de 1912, originalmente pertenceu ao Clube Pinheiro Machado, órgão social do Partido Republicano Rio-Grandense. Após abrigar algumas repartições públicas, passou, a partir de 1938, a sediar o Grêmio Passo-Fundense de Letras, atual Academia Passo-Fundense de Letras. Albergou, também, a Biblioteca Pública Municipal, que ali funcionou até meados de 1973, quando foi transferida para onde se localiza hoje, não casualmente, em terreno cedido à municipalidade pela Academia Passo-Fundense de Letras.

Atualmente, além do apoio a eventos de cunho cultural realizados em Passo Fundo, a Academia Passo-Fundense de Letras, em estreita colaboração com a comunidade, mantém renovados os valores que nortearam a sua criação em 7 de abril de 1938, com especial atenção para: organização de obras históricas, como o livro alusivo aos 150 anos de Passo Fundo; promoção de concursos literários e de oficinas de criação literária para revelar novos escritores; organização da Semana das Letras Passo-Fundenses; manutenção, desde 2005, em parceria com a TV Câmara, do Programa Literatura Local; edição da Revista ÁGUA DA FONTE, desde 2003; e distinção da Comenda do Mérito Cultural Sante Uberto Barbieri para personalidades da comunidade que se destacaram na área cultural.

Em 2023, ao chegar, neste 7 de abril, no marco das comemorações do seu jubileu de 85 anos, a Academia Passo-Fundense de Letras sente-se gratificada e orgulhosa por ter contribuído para o desenvolvimento de Passo Fundo. E, por intermédio da sua atual direção e de todos os membros desse Sodalício, reitera o seu compromisso de trabalhar em prol da cultura local. Vida longa para a APLetras!


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