OPINIÃO

O livro que nenhum passo-fundense vivo leu

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Impossível afirmar, embora seja muito provável, que, se há um livro que nenhum passo-fundense vivo leu, esse é Flores Incultas, de Bento Porto da Fontoura. Durante muito tempo, essa obra, publicada em 1875, foi considerada a primeira de um autor passo-fundense. E bastou eu ter feito menção a esse fato, na coluna da semana passada (7/04/2023), para que a suspeição sobre essa afirmação fosse, novamente, levantada. Então, só nos restou buscar as origens dessa assertiva e tentar desvendar o mistério, se, efetivamente, Flores Incultas foi o primeiro livro escrito e publicado por um passo-fundense.

Não há dúvida que, localmente, a relação entre Flores Incultas, Bento Porto da Fontoura e Passo Fundo, foi popularizada por textos e falas do acadêmico Paulo Monteiro. Mas, de onde Paulo Monteiro tirou essa informação? Quais foram as fontes que ele consultou? Não casualmente, Paulo Monteiro e sua peculiar generosidade, distribuindo cultura e livros à mancheia, presenteou-me com três obras do seu acervo pessoal, nas quais encontrei o que eu buscava e, um pouco mais, o caminho para seguir adiante.

A primeira dessas obras foi o livro História da Literatura do Rio Grande do Sul, de Guilhermino Cesar, publicado pela Editora Globo, de Porto Alegre, em 1956. Uma preciosidade, autografada, no lançamento, pelo autor. Nesse livro, o célebre professor Guilhermino Cesar esmiúça autores e livros do Rio Grande do Sul, cobrindo o período 1737-1902. E, na página 244, vamos encontrar: “Anote-se também, somente para documentar a descentralização literária que aludimos em vários passos dessa obra, o aparecimento, na vila de Passo Fundo, de Bento Porto da Fontoura, com as suas Flores Incultas. Livro soberanamente cacete, de forma dura e inspiração tarda, seu único mérito é relembrar o pai do autor, a grande figura moral de Antônio Vicente da Fontoura, a quem o filho consagra algumas rimas lamentáveis: Foi o oito de setembro/ Que o feroz assassino/ No templo do Senhor/ Matou-me o pai tão dino”.

Os outros dois livros, presentes de Paulo Monteiro, são assinados pelo bibliógrafo Pedro Leite Villas-Bôas. Dois clássicos da literatura sul-rio-grandense: Notas de Bibliografia Sul-Rio-Grandense, publicado em 1974, em Porto Alegre, pela Editora Nação em coedição com o Instituto Estadual do Livro, sob os auspícios da Secretaria de Educação e Cultura. E o Dicionário Bibliográfico Gaúcho, de 1991, publicado pela Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana (EST) em parceria com a Editora e Distribuidora Gaúcha Ltda (Edigal), em Porto Alegre. 

Pedro Leite Villas-Bôas foi figura de proa do Círculo de Pesquisas Literárias (CIPEL), fundado em Porto Alegre, em 1966. Dedicou-se à coleta de elementos bibliográficos e à ordenação de verbetes sobre autores e obras. Visitava bibliotecas públicas e particulares em busca de obras e confidenciou, pessoalmente, a Paulo Monteiro, que havia manuseado todas as obras que havia feito citações. Nos seus dois catálogos, sobre Bento Porto da Fontoura, foi taxativo: “Passo Fundo, RS, 12 de janeiro de 1840 (?) - Rio de Janeiro, GB, 25 de janeiro de 1913. Poeta, Bib: Flores Incultas, livro de rimas, 1ª Ed. 1875, 87 pág. Tip. Jornal do Comércio, P. Alegre”.

Até aqui nada errado. Mas, não podemos ignorar que Guilhermino Cesar e Pedro Leite Villas-Bôas não são fontes primárias.

Da historiadora Mirian Ritzel, de Cachoeira do Sul, recebi um áudio dizendo que Cachoeira também reivindicava ser a terra natal de Bento Porto da Fontoura, além de muitas outras informações originais. Afinal, ele tinha uma forte relação com a cidade, por intermédio do pai Antônio Vicente da Fontoura (o articulador da paz entre os revolucionários Farrapos e o Império), atuou como advogado e dirigiu o jornal Cachoeirense e foi colaborador de O Commercio. A dúvida dela é se ele teria nascido em Cachoeira do Sul ou em Alegrete.

Nesse ínterim, entrou na conversa o historiador e acadêmico Alex Antônio Vanin, que, em consulta a uma fonte primária, o livro de registros de casamento da Igreja Nossa Senhora da Conceição, desvendou, de vez, a ligação de Bento Porto da Fontoura e Passo Fundo. Ele não nasceu aqui. Não é passo-fundense. Nasceu e foi batizado em Alegrete, conforme declaração dele próprio. Viúvo de Virgínia Rozalina Macedônia Mendonça, com quem não deixou descendentes, se casaria, na paróquia Nossa Senhora da Conceição, no dia 22 de maio de 1873, com Virgília Ferreira Prestes, que era irmã do advogado, líder político e militar passo-fundense Antônio Ferreira Prestes Guimarães.

A ligação de Bento Porto da Fontoura com Passo Fundo, que deu causa à confusão, foi de casamento e não de nascimento.

Nossos respeitos a Paulo Monteiro, Mirian Ritzel e Alex Vanin. A correção histórica, sem revisionismos de ocasião, é sempre digna de nota.

Ah! Se alguém, por mera curiosidade, quiser consultar, há um exemplar de Flores Incultas na Biblioteca de Obras Raras da PUCRS, em Porto Alegre.

SUGESTÃO DO COLUNISTA: O livro “Ah! Essa estranha instituição chamada ciência” está disponível em versão Kindle na Amazon:

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