Cezar Roedel
Consultor de Relações Internacionais
Em meio a uma conjuntura internacional conturbada, emerge mais um conflito, com potencial de escalada para uma guerra civil. O Sudão, país ao centro-norte africano, que faz fronteira com o Egito e é banhado pelo Mar Vermelho, ladeando o mesmo com a Arábia Saudita, é palco, neste momento, do entrechocar das Forças Armadas do país e o grupo paramilitar, conhecido como Forças de Apoio Rápido (FAR). O epicentro do conflito surgiu em Cartum, capital do país, e já gerou uma crise de refugiados, bem como a danificação de infraestruturas básicas como o aeroporto da cidade. Até o fechamento desta coluna, somavam-se mais de 400 pessoas mortas no conflito, que iniciou no dia 16 de abril, e a esta altura se espalhou para outras partes do país. Houve várias tentativas de um cessar-fogo, mas todas sem sucesso. As Forças Armadas do Sudão estão sob o comando do general Abdel Fatah al-Burhan e as FAR, por Mohamed Hamdan Dagalo. Ambos são rivais, principalmente, quando, nos últimos meses, Burhan tentou integrar as FAR nas Forças Armadas, o que incendiou as relações. Apesar das Forças Armadas serem maiores que as FAR, essa é mais bem equipada e treinada.
Burhan, Dagalo e o estopim
Após intensos protestos no país, os militares derrubaram o ditador Omar al-Bashir, em 2019. Desde lá, tentou-se criar um governo transitório, com vistas a um regime democrático. Burhan presidiu o Conselho Militar de Transição e ficou até promover um golpe em 2021, não passando o governo para civis, e autodeclarou-se como o “novo governante”. Dagalo, vice de Burhan, por seu turno, vem comandando as FAR, que se tornaram uma “força de segurança independente”, conforme uma lei do país, de 2017. O estopim do conflito aconteceu a partir de um desejo de reformar a segurança do país, integrando as FAR as Forças Armadas. Ela teria cerca de 100 mil homens. Isso, evidentemente, enfraqueceria Dagalo e as suas forças paramilitares, daí brotou a contenda. O conflito emerge bem no momento em que uma transição democrática tomaria lugar em abril, prevendo eleição de civis. Com o atual cenário, a transição fica completamente comprometida. Em meio ao conflito, um laboratório biológico foi invadido. A Organização Mundial da Saúde (OMS) fez o alerta de risco de contaminação biológica.
Interesses russos
O Sudão é um ativo estratégico para alguns países, uma vez que é uma ponte entre o Oriente Médio e a África, possuindo grandes reservas de ouro, que hoje são exploradas pelas FAR, juntamente com os russos. Bashir, o antigo ditador, firmou acordo com Putin em 2017 (que previa inclusive, a instalação de uma base naval russa). Desde então, uma empresa russa (M-Invest) – que potências ocidentais indicam ser uma empresa de fachada das facções paramilitares russas, conhecidas como Grupo Wagner – teria o direito de explorar as reservas. Dagalo acaba sendo um fantoche dos russos, por troca de apoio. O Sudão foi um dos poucos países que não apoiou a moção contrária à Rússia na ONU, em decorrência da guerra na Ucrânia. China e EUA possuem posições militares em Djibouti, ao sul do Sudão. Lavrov, o chanceler russo, esteve no Sudão em fevereiro deste ano, reforçando a parceria. Há um forte potencial para que esse conflito escale, ainda mais com o apoio russo às FAR.