OPINIÃO

“Não tenhais medo”

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O Evangelho da liturgia dominical ressalta dois convites de Jesus: por um lado recomenda aos apóstolos “não tenhais medo” e por outro lado diz “temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno!” (Mateus 19,26-33). O caminho de quem crê é repleto de dificuldades provocadas por eventos históricos externos ou por crises pessoais. A liturgia abre a oportunidade para refletir sobre o medo humano e o temor a Deus.

A vida dos apóstolos será parecida com a dos profetas e de Jesus. Jesus é franco com eles e os prepara para viverem o ministério nas adversidades. Porém não podem deixar-se tomar pelo medo. O medo é uma dimensão natural da vida. Na medida justa ajuda a proteger a vida. Porém há medos questionáveis que podem inibir e paralisar a pessoa fazendo-a abandonar seus compromissos. 

Jesus exemplifica três situações para os apóstolos: “Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido”. A transparência de vida e a clareza do anúncio do Evangelho iluminarão os métodos obscuros e de “segundas intenções” tão presentes na sociedade. O apóstolo não tem nada a esconder. “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma!” Quantos cristãos padeceram e padecem o martírio. O corpo é morto, mas o testemunho perdura. “Não tenhais medo! Vós valeis mais do que muitos pardais”. A dignidade humana do apóstolo tem um valor incalculável, mesmo que haja tentativas de minimizar o seu valor e dignidade.

A sociedade contemporânea tão desafiadora faz emergir um medo mais profundo, de tipo existencial, que por vezes termina em angústia. A palavra angústia, oriunda do latim, significa apertar, estrangular. Filosofias da existência refletiram muito sobre esta situação humana. A angústia é um sentimento que, ao contrário do medo, não tem objeto preciso. Tem-se medo diante de algo real e quando a causa que provoca o medo desaparece ou se vence, volta a segurança, a serenidade. O que alimenta a angústia é um estado que manifesta a relação do indivíduo com o mundo, relação determinada pela liberdade. Inúmeras possibilidades se apresentam ao ser humano convocando-o escolher. Mas escolher o quê? Qual é a escolha certa? Posso não escolher? Tantas possibilidades e ao mesmo tempo tantas incertezas. Depois que Jesus anunciou a traição de Judas, lhe disse: “O que tens a fazer, faze-o depressa” (Jo 13,27). Pedido que revela claramente um coração angustiado.

Não ter medo dos homens repete Jesus, “pelo contrário, temei aquele que pode destruir a alma e o corpo no inferno!”. A presença de Deus, afirmam os textos bíblicos, fortalecem os fiéis diante das ameaças humanas. Mesmo nas pequenas coisas se manifesta o cuidado de Deus. “Quanto a vós, até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados”.

O que significa o temor de Deus? Ensina o Cardeal Carlo Maria Martini: “O temor de Deus nasce do conhecimento que é preciso se comparar não somente com o curto horizonte das coisas que passam, mas com o horizonte último e definitivo da vida eterna que não passa. O temor de Deus é agora a relação que nos faz viver constantemente sobre o olhar do Senhor, preocupados em agradar mais a Ele do que os homens. Deus que te cuida é sim o Deus juiz, mas esta expressão deve ser bem entendida porque não tem nada a ver com uma espécie de olhar maligno ou severo direcionado sobre ti para captar os erros: se trata do Deus Pai que te conhece e te ama como nenhum outro e que quer verdadeiramente o teu bem. Agir como lhe agrada é agora para ti o bem maior, a consolação mais profunda, (...) o temor de Deus é um temor filial reverente, afetuoso, que teme sobretudo desagradar o coração do Pai”.

Dom Rodolfo Luís Weber – Arcebispo de Passo Fundo


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