OPINIÃO

Éramos quatro

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Nos molhes da Barra do Mampituba, em Torres, passavam poucos minutos das 9h, naquela fatídica manhã do dia 15 de junho de 2023, quando Aroldo Galon Linhares recebeu a notícia que, em Passo Fundo, havia morrido Luiz Ricardo Pereira. O desfecho fora pressentido por ele, uma semana antes, ao deixar a cidade, para uma temporada de descanso no balneário do Litoral Norte gaúcho. Lamentava a ausência e o abraço de despedida não dado, mas tinha a consciência tranquila de que fora presença marcante na vida do colega e amigo, com o qual conviveu os últimos 55 anos (desde 1968).

Nessa hora, Aroldo Linhares, no alto dos seus 84 anos, mens sana in corpore sano, invejáveis, não consegue afastar da mente a imagem vazia da pista de esportes do quartel da Brigada Militar, o 3º Regimento de Polícia Montada, na Av. Presidente Vargas, onde ele, João Carlos Soares Moreira e Cantídio Nicolau Alves de Sousa, mortos em 2021, e Luiz Ricardo Pereira, morto em 2023, costumavam, juntos, praticar suas caminhadas matinais ou nos finais de tarde. “Éramos quatro, restou eu”, confidencia. Mas, consciente dos desígnios reservados a cada um de nós nessa Terra, resigna-se. Sabe que foram protagonistas de escol da construção da história da triticultura brasileira. A origem acadêmica dos quatro era a mesma, a Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, atual UFPel, em Pelotas. Idem o início de carreira profissional, no antigo Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuárias do Sul (IPEAS), também com sede em Pelotas. E, não coincidentemente, o mesmo final, na Embrapa Trigo, em Passo Fundo.

Luiz Ricardo Pereira, o comandante da construção da maioria dos prédios da sede da Embrapa Trigo, era natural de Herval do Sul (20/05/1938). Depois de formado em Agronomia, em 1963, ingressou no Ministério da Agricultura. E, como agrônomo, nos conturbados idos de março de 1964, acompanhado da esposa, a professora Olinda Rocha Pereira, aportou na antiga Estação Experimental de Passo Fundo, então localizada no Distrito Engenheiro Luiz Englert (Desvio Englert), no município de Sertão. Pelo seu temperamento conciliador, Luiz Ricardo acabaria alçado, em 1967, à chefia da Estação Experimental de Passo Fundo. E, nesse posto, ele demonstrou a sua grandiosidade como pessoa humana. Lidou, como pacificador, para dar solução aos conflitos internos de uma comunidade de pessoas vivendo isoladas. Não raro, se viu obrigado a tratar de brigas de casais e atritos entre vizinhos. Gerenciou, com maestria, uma estrutura predial e de máquinas envelhecida, datada da época da inauguração do estabelecimento, criado pela Lei n.º 470 de 1937 e formalmente inaugurado 22/11/1940, como Estação Experimental de Trigo. E, ao se dar conta que, pelas dificuldades de acesso, de comunicação e de escolas para educar os filhos, a montagem de uma equipe permanente de pesquisadores, naquela unidade de pesquisa, seria muito difícil, engajou-se na luta pela mudança de local; que, capitaneada por ele, assim quis o destino, aconteceria.

Em 1968, após passagens por unidades do IPEAS em Pelotas, Caçador e Ponta Grossa, Aroldo Linhares foi lotado na Estação Experimental de Passo Fundo, no Desvio Englert. A partir de então, ele e Luiz Ricardo estreitariam relacionamento, irmanando-se na mudança da Estação de Desvio Englert para a periferia de Passo Fundo. Admite-se que a iniciativa de formalização de um convênio entre o Governo brasileiro e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), visando ao desenvolvimento da cultura do trigo, no final dos anos 1960, que se materializou no Projeto FAO BRA/69/535, deu o impulso que faltava para que essa mudança, efetivamente, se concretizasse.

Luiz Ricardo e Aroldo Linhares atuaram juntos na escolha e na compra da área onde, atualmente, se localiza a Embrapa Trigo, na Rodovia BR 285, km 294, em Passo Fundo, e, juntos, deram início à mudança e à criação da “Nova Estação Experimental de Passo Fundo”, que, chefiada por Luiz Ricardo, seria inaugurada no dia 23 de abril de 1972. Não foi algo simples como pode aparentar essa descrição suscinta. Envolvia mais do que, meramente, deixar para trás a estrutura predial, atualmente ocupada pela Escola Agrotécnica Federal de Sertão e pelo IFRS-Campus Sertão. Urgia dar solução à vida de pessoas. Alguns empregados vieram para Passo Fundo, outros não. A principal diferença foi que, na “nova Estação”, decidiu-se por não haver empregados morando no estabelecimento. E foi aí que o lado humano e a capacidade gerencial de Luiz Ricardo se sobressaíram, conseguindo acomodar as mais variadas situações que se apresentaram na época.

A criação da Embrapa, em 1973, incorporou a Estação Experimental de Passo Fundo que, em 28 de outubro de 1974 virou sede do Centro Nacional de Pesquisa de Trigo, conhecido, atualmente, como Embrapa Trigo.

Luiz Ricardo Pereira, a partir de 01/09/1975, foi integrado ao quadro de pesquisadores da Embrapa. Cumpriu programa de mestrado, UFRGS, 1976, e doutorado, UFV, 1982, em melhoramento genético vegetal. Entre 1985 e 1990 foi Chefe-Geral da Embrapa Trigo, época marcada pela construção do novo prédio da sede da Unidade e pela ampliação do quadro de empregados. Nessa fase, Aroldo Linhares, não casualmente, mais uma vez, estava junto dele, ocupando o posto de Chefe Técnico (atual chefia de Pesquisa e Desenvolvimento). Depois da aposentadoria da Embrapa, ocorrida em 20/08/2003, Luiz Ricardo montou a empresa Melhoramento Agropastoril Ltda., voltada à criação de cultivares de soja e milho, que foi adquirida pela Bayer, em 2013.

Seja no posto de gestor, no qual creditava os méritos mais aos colaboradores e menos aos dirigentes, ou de pesquisador, Luiz Ricardo Pereira se notabilizou pela competência e pela amabilidade no trato com as pessoas. Melhorista de milho, criou a cultivar BRS Planalto. Em sistemas de produção, foi pioneiro no desenvolvimento de sistemas de rotação de culturas para combater as doenças radiculares do trigo.

Luiz Ricardo Pereira deixou, a prantear a sua memória, a esposa Olinda; os filhos Fernando Luiz, Ricardo Luiz e Eduardo Luís; as noras Ceres, Bárbara e Deise; e os netos Bernardo, Lorenzo, Luiz Henrique e Martina. Requiescat in pace, Dr. Luiz Ricardo!

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